Mães há só duas

O caso de injustiça das Pussy Riot sofreu uma reviravolta. Yekatarina Samutsevich, condenada juntamente com Maria Alyokhiniva e Nedezhda Tolokonnikova, foi libertada.

embora a sua defesa tenha estado a cargo de outra advogada, não foi o talento desta que a tirou da prisão. yekatarina simplesmente não dançou na igreja com as suas companheiras. a libertação foi ordenada porque venceu o argumento de que a sua atitude foi política e não blasfema. a opinião geral é a de que fez bem em apelar. é, no entanto, curioso que no guardian tenham comentado que foi esperta do ponto de vista legal. fiquei com a sensação de que não gostaram da jogada. pensei que o pé atrás do jornalista tivesse que ver com o facto de se estar a julgar separadamente conceitos de blasfémia e dissidência política. mas não. o que lhe fez confusão foi a rapariga libertada ser a única das pussy condenadas que não tem filhos. eis um conceito machista de justiça.

não façam confusão

um doido varrido chamado felix baumgartner atirou-se do espaço para a terra. a operação demorou cinco anos a preparar e o salto da distância de 39 mil metros não aconteceu quando era esperado. parece que o clima não quis logo colaborar. vi por fim o dito salto e fotografei tudo no instagram a partir do streaming ao vivo, sentada no sofá, ao mesmo tempo atónita com a possibilidade de estar a assistir ao que poderia ser o suicídio de uma pessoa. mas chega de falar de mim. falemos antes da confusão instalada nos comentários online em jornais, etc., sobre a alegada ‘coragem’ do saltador austríaco. baumgartner não é corajoso, mas antes temerário ou, prosaicamente falando, um rapaz armado em bom. arriscou a vida para bater um recorde do mundo e cumprir um patrocínio. os seus fins não justificam sequer uma saída de casa. não é um herói: está só doente. não é corajoso: é só um tolo. há que saber distinguir para podermos reconhecer uma virtude quando a vemos.

nobel da paz

já muito se disse sobre o nobel da paz atribuído à união europeia. compreendo o prémio nesta altura, em que o projecto europeu se parece estar a desfazer como um alerta da guerra que podemos vir a ter se a crise financeira e económica da zona euro continuar sem solução à vista. confesso, no entanto, que tinha preferido ver o prémio a ser entregue a uma pessoa. por exemplo, a malala yousafzai, uma rapariga paquistanesa de 14 anos, que, em 2009, denunciou que os talibãs proibiram o acesso das raparigas à escola. apesar dos riscos, malala yousafzai continuou a ir, incentivada pelo pai e por uma pequena comunidade que não aceita as imposições criminosas dos talibãs. há dias, à saída da escola, foi baleada na cabeça por um extremista. está viva, mas a sua situação clínica inspira cuidados, por isso foi transferida para um hospital em inglaterra. malala yousafzai não desistiu com a ameaça nem hesitou perante a injustiça. coragem é isto.

mais lítio

aconselho a leitura da crítica de sean higgins, no los angeles review of books, sobre homeland. além de dar uma perspectiva literária sobre televisão, faço minhas as exigências do autor sobre o novo género difícil de classificar das grandes séries que a televisão americana e, por vezes, a britânica nos oferecem. informo ainda que os produtores desta série, alex gansa e howard gordon, sobretudo este último, foram também responsáveis por 24, com kiefer sutherland, uma série cansativa, mas importante nesta revolução televisiva. sean higgins faz o paralelo natural entre ambas: jack bauer, o herói, e carrie mathison, a anti-heroína. ao contrário de jack, carrie é, além de mulher, dependente de medicamentos para a doença bipolar. resta saber se na segunda temporada vão continuar a fazer com que acreditemos na história de uma desequilibrada que é capaz de ver melhor a realidade de uma situação política extrema do que os misóginos dos seus chefes.

assim gosto mais

o casamento tem os seus momentos bons e menos bons. exemplo de um bom é ter descoberto o râguebi. gosto de ver alguns jogos, não por um amor especial à modalidade, mas pelo lado epopeico que os tornam uma coisa séria. exemplo de um menos bom é ter confirmado que um jogo de futebol é tão maçador de ver como as conversas sobre o mesmo são de ouvir. mas há dias tive uma surpresa agradável quando vi um golo de messi contra o real madrid. a bola passou por cima da barreira de adversários e entrou lindamente na baliza pelo canto superior direito. dias depois, messi jogava na selecção argentina e aconteceu uma falta parecida. era de prever a mesma marcação contra a baliza uruguaia. imagino que o jogador argentino sabia que os uruguaios tinham visto o golo em camp nou. mas fez de conta que não sabia que sabiam. chutou a bola rasteirinha ao chão, sabendo que os adversários saltariam para impedir a bola de passar. e saltaram e foi golo outra vez. isto não foi futebol. foi xadrez.