Crise não desanima actores habituados a receber quase nada

Dormem pouco, têm ensaios intensos, o cansaço faz parte da sua rotina e não desanimam com a anual crise porque são atores de teatro e já sabem como é trabalhar muito e receber quase nada.

numa altura em que a maioria dos portugueses faz contas aos cortes nos salários, os atores do grupo de teatro profissional de cascais palco 13 não entram em pânico com a crise e desejam apenas continuar a ter público que os queira ver representar.

«a nós não nos vão tirar nada, porque no fundo já não tínhamos salário antes. com a crise, o único efeito que podemos sofrer é haver menos público e, sobre isso, temos em consideração e baixamos um pouco os preços dos bilhetes para que o público venha ver os nossos espectáculos», afirmou à agência lusa o actor romeu vala, de 24 anos.

romeu já trabalha na área há oito anos e vão-lhe valendo outros trabalhos em dobragens de televisão para ter algum dinheiro ao final do mês.

«só vem para esta área quem realmente gosta de fazer isto. não se pode vir com a intenção de ganhar balúrdios de dinheiro ou ser muito famoso, porque senão, se pensam nisso, depressa vão desistir, porque vão encontrar tantos obstáculos e dificuldades», disse.

à semelhança de romeu, também leonor biscaia faz parte da companhia de teatro palco 13, formada há três anos e que, por enquanto, tem como objectivo ser reconhecida e não pagar ordenados aos atores.

apesar de o «cenário ser cada vez mais negro», a vontade de representar e mostrar trabalho para atrair mais público é muita e desistir nunca foi opção.

«nunca pensei em desistir e todos os elementos desta companhia precisam de ter um trabalho extra para conseguir sobreviver, porque isto não nos dá dinheiro. isto é por amor, porque gostamos e queremos muito», afirmou leonor.

para o encenador da companhia, marco medeiros, as dificuldades são as mesmas.

«não há mercado para os atores, muito menos para os encenadores. com 27 anos, ninguém me vai contratar porque não têm argumentos para o fazer. só conseguirei viver da carreira de encenador por volta dos 35 anos», perspectivou.

com o sonho de chegar a director do teatro nacional, marco fala com orgulho do palco 13, mas reconhece que tudo «só é suportável até certo ponto».

«até aos 10 anos é suportável porque precisamos disto para viver, mas se virmos que daqui a 10 anos não há reembolso o melhor é apostar noutra profissão, porque esta não vai resultar», disse.

com cinco espectáculos em agenda para o próximo ano, trabalho é coisa que não falta no palco 13. já o retorno financeiro desse esforço continua sem aparecer.

no último espectáculo da peça ‘dois reis e um sono’, que esteve em cena no teatro da comuna, em lisboa, a sala, com capacidade para mais de uma centena de pessoas, esteve esgotada e aos 13 atores e cinco técnicos coube apenas 10 euros.

«não estamos à espera de ser milionários, mas vamos esperar para ser justamente recompensados», referiu marco.

o pior acontece quando o dinheiro tem de sair do próprio bolso, uma situação que é quase diária.

«o investimento inicial do palco 13 saiu do bolso de muitos desta companhia e para se repor é muito difícil, mas é um assunto com o qual estamos lúcidos e se tiver de sair mais dos nossos bolsos mais vezes sairá», concluiu o encenador.

sem nenhum subsídio, ao palco 13 tem apenas o apoio da câmara de cascais, que compra os espectáculos conforme um orçamento apresentado.

depois de duas semanas no auditório fernando lopes graça, o grupo vai agora estar em cena com a peça ‘do amor não se foge’, de william shakespeare, no espaço confluência, de 02 a 24 de novembro.