João Miguel Tavares: ‘Entrei no mundo das letras pela BD’

Quando pensa num livro, pensa ao mesmo tempo nas ilustrações. «Sempre me chamaram a atenção os desenhos», diz o autor de Uma Baleia no Quarto, um livro com momentos de suspense. Para crianças

é o segundo livro que escreve cujas personagens têm o nome dos seus filhos. como são quatro, vai publicar mais histórias infantis?

já há um terceiro livro, para o gui, que se chama o pai mais horrível do mundo, que há-de sair em fevereiro do próximo ano. o meu problema é que faço filhos mais rapidamente do que escrevo livros. e já estou atrasado! mas não quero escrever só para os meus filhos, tenho ideias para uma data de livros.

esta é uma área que lhe interessa porquê?

porque mete miúdos e ilustração, algo de que gosto muito desde pequeno. entrei no mundo das letras através da banda desenha e foi um gosto que nunca perdi. ainda hoje compro e leio bd, mas não propriamente os livros do tio patinhas. aliás, nunca gostei deles, porque me fazia impressão que os desenhos fossem sempre iguais. e por sempre me terem chamado a atenção os desenhos, quando penso nos livros, penso ao mesmo tempo nos ilustradores.

o que é que a escrita infantil exige de um autor?

exige um lado criativo, mas também uma forma de escrever enxuta, seca. não demasiado palavrosa e eficaz.

para se escrever assim, é preciso ser-se pai ou pelo menos educador?

não acho que tenhamos necessariamente de ter filhos para escrever livros infantis. o que se passa é que os filhos acabam por ser uma fonte de inspiração e eu sei o que funciona com eles.

é por isso que uma baleia no quarto (ed. a esfera dos livros) é tão diferente do seu primeiro livro para crianças?

o primeiro, a crise explicada às crianças, é um falso livro para crianças, porque exige dos pais a capacidade de tornar aquela história compreensível. este novo livro é uma história mais tradicional, com princípio, meio e fim. tem até uma escrita quase cinematográfica, com momentos de suspense, e vai buscar a imagem mitológica da baleia, que está muito presente no imaginário infantil.

há um vazio na literatura infantil portuguesa para crianças até aos seis anos. este novo livro vem suprir essa falha?

o que eu sinto é que os livros infantis mais interessantes agradam mais aos pais do que às crianças. mas com isto não quero dizer que a minha intenção seja satisfazer as crianças e que os meus livros não tenham nenhum interesse para os pais. não. é tentar encontrar um equilíbrio, o que não é fácil.

é um dos rostos do programa governo sombra e também escreve textos sobre política, mas o seu primeiro livro foi uma compilação de crónicas sobre a família. esta vai ser a sua especialização?

a linha familiar permite-me manter alguma lucidez mental. a escrita infantil e as crónicas familiares são uma maneira de tornar criativo o que ocupa uma vastidão da minha vida, que é o meu quotidiano com quatro filhos. é uma tentativa de poupar no psicanalista.

os portugueses confiam cada vez mais na opinião dos comentadores de televisão, gostariam até que alguns formassem um governo de salvação nacional. agora que governo sombra está na tvi24, os seus membros também vão integrar a lista dos confiáveis da nação?

a apetência pelos comentadores explica-se pelo facto de as pessoas terem dificuldade em compreender o mundo em que vivem, e precisam de alguém que o traduza. acho que existe uma complexificação extrema da vida pública cujo objectivo é afastar as pessoas da compreensão do que as rodeia. por isso, precisamos de alguém em quem confiar. o que não é de agora, mas, como nos estão a ir ao bolso como nunca, isso torna a necessidade de compreensão mais urgente. mas acho que ninguém está à espera do governo sombra para salvar portugal.

se isso acontecesse, que pasta poderia ocupar?

se fosse para salvar portugal, queria ser primeiro-ministro. em trabalho de coordenação, sair-me-ia melhor do que pedro passos coelho. boa parte do estado a que chegámos tem a ver com a impreparação do primeiro-ministro. ele, pura e simplesmente, não está intelectualmente preparado para isto. não é suficientemente bom. é como ser-se um bom jogador no benfica, mas quando se vai para o barcelona se calhar nem se é convocado. neste momento, precisávamos de um messi à frente do país, mas saiu-nos um cardozo.

teve um quarto filho há muito pouco tempo. isso significa que acredita num futuro para portugal?

sou muito irresponsável a ter filhos; eles foram aparecendo… acho que não se deve pensar demasiado, porque não temos a chave da existência e não sabemos nunca o dia de amanhã. sobretudo tenho uma grande fé que é ‘mais vale estar vivo do que nunca existir’. há, aliás, uma frase do faulkner, citada num filme do godard, de que gosto muito: ‘entre a dor e o nada, escolho a dor’. às vezes não é fácil, mas eu prefiro estar cá do que não estar.

francisca.seabra@sol.pt