Desagradáveis surpresas

Seria muito indelicado baldar-me da festa-surpresa que estão a preparar pelos meus 40 anos, e desaparecer de circulação nesse dia? Luísa Caldeira.

a leitora parece-me o meu espelho. também eu detesto tudo o que cheira a festa-surpresa. ainda por cima, como vejo que acontece no seu caso, há sempre alguém que viola o segredo – e a única surpresa é dos que pensavam que estavam a fazer uma surpresa…

já não falo em casos trágicos, como o de uma tia-avó minha, hipertensa e de coração fraco – que, quando viu aparecer sem esperar uma multidão ululante (deve ter sido o único caso em que a surpresa se manteve guardada até ao fim), teve primeiro uma perplexidade terrível, e logo a seguir uma irritação medonha, para acabar no hospital com uma apoplexia a que sobreviveu com dificuldade, desgraça que se ficou a dever apenas à irresponsabilidade excitada e sem cura dos animadores.

mas mesmo comigo, quando fiz 50 anos – e queria simplesmente passar em sossego a depressão a que me julgava com direito – lá vieram uns amigos animadíssimos estragar-me a intimidade do festejo. e felizmente que a surpresa não me apanhou de surpresa.

a leitora fala-me na indelicadeza de se baldar à festa-surpresa? na minha opinião, a indelicadeza – pior, a pimpineira – é essa ideia constrangedora e demasiado generalizada da festa-surpresa. e quanto mais criativa ela for, mais possidónia.