Espero que tenha ganho

Quando estes textos forem publicados, já serão conhecidos os resultados das eleições americanas. Espero que Obama tenha ganho. Muita gente no mundo sem direito ao voto nos Estados Unidos concorda comigo.

obama não foi, no entanto, um presidente excepcional. ou melhor, como todos os políticos, não cumpriu nem um quarto do que prometeu. a que se deve a sua popularidade internacional? ser o primeiro presidente negro não explica nada. é apenas um aspecto importante, para o bem ou para o mal, do marketing eleitoral. o que é indiscutível é que se mente, mente melhor. se promete, promete só o que pretende qualquer pessoa com a mínima preocupação social. quando defende princípios estes são mundialmente aceites: rede de cuidados de saúde, educação e até impostos, desde que sejam bem aplicados. acredito que mitt ronney seja bem intencionado. mas para bater obama, os republicanos deviam ter encontrado um rival à altura. pelo menos, outro ronald reagan.

frutos difíceis

porque é que será que os frutos mais deliciosos são os mais complicados de comer? o dióspiro maduro é uma bodeguice pegada, a anona é menos ofensiva aos olhos alheios e até próprios, mas é sempre mais bem comida em privado, o figo suscita a dúvida se deve ser descascado ou atacado à colher, a romã é impossível de comer à frente seja de quem for. ‘o que estás a fazer fechada na cozinha?’, perguntam-me. ‘estou a comer uma romã deliciosa’, respondo e a curiosidade acaba logo ali. não só compreendo como agradeço. o desafio de comer um dióspiro ou até uma anona com elegância não é para todos e, ainda que com anos de amor e prática, há sempre alguma coisa que escorrega ou uma semente que salta. mas não é possível resistir a estes frutos difíceis, que dão luta. será por isso que são irresistíveis? claro que não. tem de certeza que ver com as sementes, que lhes dão mais e melhor sabor, mas que só nos complicam a vida.

não é do céu

o novo james bond é um muito bom filme realizado por sam mendes e protagonizado por daniel craig. é um filme de acção, em que o agente secreto mais famoso do planeta nos aparece como o herói britânico que passou por muito, que já viu tudo, que envelheceu. foram tantas as bond girls que já nem vale a pena. nada o pode impressionar. a rapariga desaparece pouco depois de aparecer, mas a tempo de mostrar um vestido de noite deslumbrante, mais um robe belíssimo, mais um vestido simples cor de vinho bastante competente. não precisava de viver muito mais. o guarda-roupa tom ford é, aliás, perfeito, tal como o vilão silva de javier bardem, também ele decadente, ex-agente, bicha má, ressentido com o mi6. na conversa entre bond e silva surge a alusão a uma possível experiência homossexual de bond. ‘ossos do ofício’, diz o agente profissional. é um bond nostálgico de um passado que não volta, de uma juventude que desapareceu. gostei imenso.

cortar na despesa

os tempos obrigam a que se façam contas que vão além da divisão e da subtracção. as contas de esticar estão mais que nunca em voga e consistem em tornar possível cumprir os compromissos depois de brutais cortes salariais e acrescentando aumentos de preços em geral mais os enormes impostos. não é preciso ser um génio das finanças para perceber imediatamente que é impossível pagar o mesmo ou mais recebendo metade ou menos ou por vezes até nada. o problema é prático e objectivo. as soluções demoram. o espanto surge quando o governo não parece estar interessado em obrigar a banca a negociar a sério as dívidas com os clientes. a menos que os bancos estejam interessados em deixar o negócio do dinheiro para se tornarem imobiliárias, não entendo a recusa em negociar com aqueles que sustentam o seu negócio. sem dívidas nem juros, não haveria bancos. e seríamos felizes no meio da floresta a caçar javalis e a beber água da chuva.

‘cresce e aparece’

não sei de onde vem a exortação paternalista e impaciente ‘cresce e aparece’, mas não é coisa que se mande fazer. afinal de contas, ninguém cresce nem realmente aparece por receita ou ordem de outros. crescemos independentemente da nossa vontade e a uma dada altura da vida que remédio temos nós se não aparecer. mas o ‘aparecimento’ é a consequência do crescimento. pelo menos, nesta ordem antiga de ideias. hoje em dia, parece que aparecer é independente de qualquer fase da vida. tanto se aparece na adolescência ou numa juventude ainda demasiado jovem. ainda não se cresceu e já se está a aparecer, com todas as consequências dolorosas da exposição antecipada. o exemplo imediato é o facebook. não é por acaso que não é recomendado a menores. mas não quero cometer o mesmo erro das gerações mais velhas, que sufocam as mais novas com previsões catastrofistas. quem aparecer no facebook também há-de crescer. nem tem outro remédio.