Um país dividido

A expectativa durou quase até ao fim. Depois, umas dezenas de milhares de votos em meia dúzia de swing states deram a vitória a Barack Obama. Por um punhado de votos, o Presidente foi reeleito.

eleito num país dividido, por metade dos votantes, com uma câmara dos representantes adversa, e um senado quase empatado, uma maioria dos governadores do partido contrário.

isto não é novidade para os eua que, ao longo de uma série de eleições, têm visto os presidentes serem eleitos por margens curtas, com congressos hostis e até polémicas acesas sobre os resultados. as últimas vitórias claras foram as de reagan, há 30 anos.

alguns media locais (e até responsáveis políticos, para sua vergonha) fazem destas eleições uma espécie de benfica-sporting fanatizado. (estou a pensar na demonização de romney por alguns políticos portugueses, seguindo aquela táctica do assassinato moral e pintando a possível vitória do candidato como o preâmbulo da guerra e do apocalipse).

não é nada disso. romney – escrevemos aqui desde o princípio – era um republicano moderado, ao estilo country club, muito rico, algo inconstante nas questões ‘fracturantes’. não o ‘melhor candidato’. a grande coligação republicana de ronald reagan – que ia desde o establishment conservador e realista até aos blue-collars dos estados do noroeste industrial – foi definitivamente desfeita pelos neoconservadores e pelo seu missionarismo. e a ideia de que romney, como george h. bush, não é ‘como nós’ ou ‘um de nós’ teve efeitos a nível dos populistas e populares conservadores.

mas a américa está dividida. não sobre a questão da guerra preventiva contra o irão, e muito menos sobre a europa. que ambos os candidatos e partidos consideram um velho continente, traumatizado por duas guerras fratricidas, sem poder militar, que pretende viver acima das suas posses, dividido entre um norte de tradição protestante e burguesa, relaxado moralmente mas laboralmente disciplinado, que quer impor o seu modo de vida aos meridionais do extremo ocidental.

o que divide a américa, mais que essa disparatada ‘guerra de classes’ que os nossos esquerdistas se recusam a perceber que, se existe, passou para os povos (como aliás os mestres, de marx a hobson e lenine tinham percebido), são coisas mais fundas: é a religião, melhor a interpretação social da religião, em termos do que é o casamento, o que é a família; é a identidade, saber o que são ‘os americanos’ e se o que vão ser tem a ver com o que eram; é a medida e a estratégia a seguir perante uma ‘decadência do ocidente’ que já tocou a europa e vai chegando também a esse outro lado do atlântico. e a economia e o papel do governo, também.

e depois há as forças profundas e estruturais: olhe-se um mapa e compare-se, com o mapa da guerra da secessão, norte-sul (o oeste ainda estava então por conquistar e ocupar). um país dividido, sem dúvida. como e porquê, é o que é importante e vai ser importante no futuro.