No conforto da cama

Os portugueses estão a dormir menos. Prolongam o trabalho e o divertimento até horas tardias. Com consequências: aumenta o risco de sofrerem um AVC. «Não é possível cortar com as horas de sono sem pagar por isso», avisa o neurologista Victor Oliveira.

se as razões para se dormir mais e melhor já eram suficientes, um estudo norte-americano veio reforçar a necessidade de respeitar um sono de pelo menos seis a oito horas. «está provado cientificamente que as pessoas com perturbações do sono têm um risco muito superior – até quatro vezes – de virem a sofrer um acidente vascular cerebral», diz ao sol victor oliveira, neurologista.

o alerta lançado pela national sleep foundation, nos estados unidos, soou especialmente em portugal, onde o avc leva 25 mil pessoas por ano ao internamento e é uma das principais causas de morte.

segundo o estudo, o risco de avc e de enfarte do miocárdio aumenta nos adultos que dormem menos de seis horas por noite. «não é possível cortar com as horas de sono sem pagar por isso, em termos de saúde e de bem-estar», reforça victor oliveira, para quem o «encurtamento do período do sono» é hoje uma realidade que deveria ser contornada.

esta foi, aliás, uma das razões que levou a sociedade portuguesa de neurologia (spn) a promover um congresso, este fim-de-semana, em lisboa, sob o tema ‘o sono e os sonhos’. «doença de parkinson, demências ou epilepsia têm implicações no sono, e no congresso vão abordar-se os problemas relativos ao sono nas doenças neurológicas», continua o neurologista, que preside à spn.

no caso do avc, a preocupação por parte dos especialistas agrava-se, devido aos cortes no financiamento dos rastreios que avaliam o risco da doença. «nos últimos meses, impôs-se uma descida drástica do preço dos exames comparticipados pelos sistemas de saúde (sns, adse, etc.)». além de que se verificam mais «restrições à sua prescrição», o que compromete a detecção de problemas. victor oliveira refere-se, por exemplo, ao exame – eco-doppler – que identifica placas de aterosclerose; se estas forem tratadas a tempo, pode evitar-se que progridam ao ponto de provocarem um avc.

sabedoria ancestral aplicada hoje

o estado de inconsciência alcançado durante o sono é um dos motivos que contribuem para a desvalorização do que se passa no conforto da cama. o neurologista victor oliveira realça, no entanto, que o ser humano passa cerca de um terço da vida a dormir e que, nesse período, «o cérebro tem actividades que visam o bom funcionamento» do organismo durante o dia. «existe produção hormonal e de outras substâncias químicas cerebrais, com ritmos certos». e muito desse trabalho ocorre «principalmente durante o sono».

em portugal, há um número cada vez menor de pessoas a dormir oito ou mais horas, em especial, pelo facto de os ritmos da sociedade actual provocarem o prolongamento «das actividades profissionais, dos afazeres domésticos e das actividades lúdicas até horas tardias». mas o problema não está só na quantidade de horas que se dorme – há uma herança de milhares de anos que ditou que «a espécie humana deveria dormir durante o período nocturno». não basta, por isso, dormir as horas necessárias, mas a horas regulares.

a mesma regra vale para as crianças. no seu caso, ‘deitar cedo e cedo erguer’ é um ditado a ser considerado ainda mais actual, não só porque «traduz a sabedoria ancestral de se respeitar os ritmos circadianos, do dia e da noite», mas também porque o padrão de ‘dormir pouco’ é «ainda mais grave nas crianças». se os idosos necessitam de menos horas para dormir, já as crianças precisam de mais horas de sono em relação aos adultos.

«deve zelar-se para que as as crianças durmam adequadamente, não permitindo que fiquem a ver televisão tardiamente. e o ambiente doméstico nocturno deve ser também sossegado, convidando ao sono». no quarto não deve haver barulho, nem luz. e isto vale para todos.

francisca.seabra@sol.pt