Justiça e miséria

Raphael Minder e Marisa Moura falam das prisões em Portugal num artigo no The New York Times. Além do número de prisioneiros em instalações sobrelotadas e das condições em que vivem e trabalham os guardas prisionais, há um problema adicional: muitos dos prisioneiros recusam-se a ser libertados quando acabam de cumprir a pena.

a liberdade em portugal já não é, por si só, suficiente para ser desejada. o desemprego, não ser bem-vindo na família por causa dos custos que implica o regresso de mais um membro, a incerteza do presente e o medo da realidade são razões que explicam o desfecho desencantado de um castigo cumprido. a falta de dinheiro leva a casos inesperados de delitos menores que acabam em condenações à prisão porque os infractores não têm dinheiro para pagar multas. ou a casos dramáticos de guardas que levam o seu próprio papel higiénico porque as autoridades não têm verbas para tal luxo.

stop the press

a oxitocina é uma hormona com muito boa fama. ajuda as mulheres no parto e na lactação. tem o seu papel no relacionamento social e facilita as excreções de sódio por via urinária, entre outras virtudes importantes e igualmente fisiológicas. ora, segundo uma descoberta recente feita pela universidade de bona, é também uma hormona decisiva na monogamia masculina. chegou-se a esta conclusão da maneira habitual. foram testados 57 homens, metade com placebos, outra metade com blá, blá, blá, etc. quarenta e cinco minutos depois, puseram-lhes uma mulher à frente da qual se podiam aproximar. os casados perceberam que uma determinada proximidade os fazia sentir desconfortáveis, ao contrário dos solteiros, para os quais qualquer distância era excessiva. conclusão: a hormona, que também é produzida pelo homem, impede-o de entrar em terrenos desconhecidos, sempre e quando houver uma relação forte com a companheira. quem paga a primeira rodada de oxitocina?

o plano de carla

carla bruni-sarkozy deu uma entrevista em que declarou que não é preciso ser feminista nos nossos dias e que o lugar da mulher é em casa ao pé dos filhos. o título no telegraph induzia a um engano divertido, pois nele se dizia que o lugar da mulher é «nas suas casas», no plural, uma proposta com a qual me senti de imediato inclinada a concordar. afinal, não. carla só disse aquilo que toda a gente volta e meia vem dizer quando não tem nada para dizer. não há nada de novo no seu desejo para a sua própria vida, pois é disso que se trata. a vontade que estendeu à parte da espécie humana que é do sexo feminino (talvez descrito assim se perceba o absurdo do plano) é uma ideia que carla tem acerca das suas próprias aspirações. não é feminista porque sempre fez o que quis e fica em casa porque não tem necessidade de sair (e são necessidades de todos os tipos). não precisa é de envolver todas as mulheres do mundo no seu projecto pessoal.

mais um fim da ue

marilyn monroe terá um dia respondido à pergunta descarada sobre o que vestia na cama que usava chanel 5 na hora de dormir. a resposta é tão boa, digna de um espírito inteligente e mundano, que impressiona. a contrastar com um mundo em que perguntas e respostas destas tinham lugar temos a sombria realidade actual e a notícia de que a produção do clássico chanel 5 tem os dias contados. ao que parece, há musgo de árvore na composição da fragrância, uma substância que, de acordo com as novas regras da união europeia, é indutora de alergias. a exigência compromete a existência de vários perfumes. além do chanel 5, miss dior, shalimar da guerlain e angel de thierry mugler estão também em risco de acabar pelos mesmos motivos. ficamos assim a saber que o que nunca fez mal a ninguém pode provocar um ataque alérgico. fica por explicar porque é que nunca correu mal no tempo em que vivemos felizes com musgo na pele. e é a isto que acabará reduzida a união europeia. mais uma vez.

reduzidas ao corpo

chegam notícias desconcertantes da suécia por uma notícia no telegraph. a toys ‘r’ us mostra no seu catálogo rapazes a brincar com bonecas e raparigas com armas de brincar. as leis no país levam a discriminação de género ao limite de eliminar diferenças entre o que é socialmente definido como feminino e masculino. a obsessão chega ao ponto da erradicação dos pronomes. mas as tentativas de equiparar os sexos são só superficiais. as mulheres ganham menos do que os homens e a percentagem de violação e violência doméstica são das mais elevadas da europa. a explicação apresentada no artigo tem por base o livro living dolls: the return of sexism, de natasha walter, em que defende que a libertação feminina feita à custa da objectificação sexual tem custos sérios para as mulheres, porque faz delas apenas crua e fisicamente diferentes dos homens. as construções e os preconceitos têm assim uma utilidade inesperada. chegam a ser sexy.