quem quer fazer compras tranquilamente e preza o acolhimento dos comerciantes foge dos hipermercados e procura as tradicionais lojas da baixa lisboeta onde a qualidade dos produtos é garantida.
na antiga casa do bacalhau, há 150 anos estabelecida na praça da figueira, os cartazes afixados à porta não enganam: ali vendem-se as “lascas perfeitas” do bacalhau da noruega.
às 10h30 de uma manhã de quarta-feira, vão chegando os fregueses habituais.
tratam-se pelo nome, trocam cumprimentos com fernando nunes e emília lopes, também eles com várias décadas passadas atrás do balcão, desejam as boas festas da praxe à saída.
alguns nem precisam de pedir.
“é o do costume, senhor engenheiro?”, pergunta fernando nunes, como quem pede confirmação.
a casa é pequena e enche rapidamente, com os clientes a formar bicha no estreito corredor entre o balcão e as prateleiras onde se expõem o ‘graúdo’, o ‘crescido’, o ‘especial’ e o ‘jumbo’.
a nomenclatura parece complicada, mas fernando nunes esclarece que a qualidade do bacalhau é a mesma e o que muda é o tamanho.
abílio gomes, cliente da loja há cerca de dez anos, é dos que prefere um bacalhau médio porque “satisfaz plenamente”.
este ano vai gastar na ceia 40 a 50 euros de bacalhau, mas reconhece que em tempos de crise foi necessário fazer alguns cortes.
“abdico fundamentalmente das prendas, excepto às crianças. não abdico do bacalhau, do bolo-rei e das nozes”, diz à lusa.
enquanto fazem os embrulhos em papel pardo, os funcionários vão dando dicas aos compradores menos experientes: do tempo necessário de demolha para “não ficar desenxabido” à melhor forma de congelar e cozinhar.
cortar o bacalhau com a guilhotina também tem ciência, assegura emília lopes, que ali trabalha há 35 anos.
“os lombinhos demoram aí três dias e as barrigas só levam 24 horas. não pode ir tudo junto não é?”, comenta.
a casa chegou a ter cinco empregados “tal era o movimento”, mas a chegada dos hipermercados desviou clientela e a crise abrandou o consumo.
“este ano tivemos uma quebra de 30% entre janeiro e outubro a comparar com o ano passado”, lamenta francisco nunes, acrescentando que só nesta altura é que as vendas estão “a correr bem”.
“foi uma coisa louca, todos os dias se falava de impostos e da crise e os clientes começaram a retrair-se”, justifica, adiantando que “infelizmente” os pobres já não estão a comprar bacalhau.
na antiga casa do bacalhau, mesmo em tempos de crise, o ‘jumbo’, o maior e o mais caro, é o que mais se vende no natal.
“o que continua a sair bem é o bacalhau grande. os outros voltam a ser mais comprados a partir de janeiro”, salienta francisco nunes.
também na praça da figueira, o espaço da também centenária manteigaria silva divide-se entre o bacalhau e os produtos ‘gourmet’.
“há de tudo para a ceia”, garante josé martins, funcionário da loja há 40 anos.
aqui “só se se trabalha com bacalhau da islândia” e, na altura do natal, até se exclui “o mais barato, porque não tem tanta procura”.
do lado oposto às pilhas de bacalhau islandês, uma montra exibe várias iguarias.
“o bacalhau é como o porco, aproveita-se tudo”, sublinha josé martins enquanto avança com a explicação: num balde encontram-se os “sames”, que ficam “muito bons guisados”, noutro as “línguas”, que são “uma maravilha”, mais abaixo as migas que se fazem com as sobras de bacalhau que se parte, ao lado as “caras” “que dão trabalho a comer, mas são uma delícia”.
uma cliente inspecciona o peixe e acaba por decidir levar dois bacalhaus. no final a conta é quase de 70 euros, mas albina reis assegura que não vai gastar tudo na ceia e que vai sobrar para outras refeições.
albina, que chegou à manteigaria aconselhada pelo marido, não tenciona diminuir a despesa com a consoada, mas “com a festa em si e o seu conteúdo comercial, sim”.
ou seja, vai cortar nas prendas “que às vezes se davam fora da família”.
quanto a bacalhau, “mantém-se”. pelo menos, enquanto “não roubarem o resto das reformas”.
venda de bacalhau aumentou 13%
lusa/sol