A lista de Ricardo Costa mudou-me a vida

Vejo as fotografias de Durão Barroso a receber o Nobel da Paz em representação da União Europeia. Ao seu lado estão Van Rompuy e Martin Schultz: o alemão mostra uma medalha e o português, Presidente da Comissão Europeia, tem um livro seguro nas duas mãos – encadernação impecável com apenas duas letras na capa: EU.

sorrio. e torno a uma conversa com ana gomes, companheira na aventura do mrpp. ao regressar de timor, como uma general vitoriosa, recebeu mais convites para almoçar e jantar do que a sua agenda conseguiu suportar. todos a desejavam, talvez até lhe tenha passado pela ideia que podia ser tudo. de entre os convites cedeu ao de ferro rodrigues; aceitou militar no partido socialista e pertencer à sua cúpula. disse-o a durão barroso quando este, na altura primeiro-ministro e presidente do psd, a desafiou para estar ao seu lado. ana agradeceu-lhe. porém, falou-lhe das suas convicções, do que acreditava e da impossibilidade de estar num partido que pensava coisas tão diferentes. o primeiro-ministro incrédulo terá desabafado: «quando te convenceres que os partidos existem para ser moldados pelas pessoas, que os partidos são instrumentais, talvez possas ser mais objectiva».

o eu debruado no livro é a sigla da união europeia, mas ao ver o sorriso de durão barroso sorrio também. a sua profecia concretizou-se. o eu preso nas suas mãos não deixa dúvidas ou margens para isso.

um aparte apenas. a história, que hoje partilho, está relacionada com o início do meu caminho profissional. só na passada semana percebi que esse caminho tinha relação directa com ricardo costa, actual director do expresso, e josé eduardo martins, ex-secretário de estado e figura proscrita por pedro passos coelho.

a propósito de um programa de televisão, jantei com eles em casa de ricardo. mais de três horas à conversa acerca do país, das nossas raízes comuns, da literatura e do jornalismo, do poder e dos partidos, dos vinhos e dos pais – a aversão do de josé eduardo pela vida política. e a impressionante presença de orlando costa, pai de ricardo e antónio costa… uma presença ausente, mas marcada por um retrato pintado por júlio pomar, seu amigo de sempre. quis saber dele, do que mais recorda quando o recorda, da aparente dificuldade de um diálogo entre um pai comunista e dois filhos longe de o serem. mas em ricardo, se há memória de juventude mais forte do que as outras, é a da tolerância. contou-me que, nas presidenciais de janeiro de 1986, quando apoiou mário soares e não salgado zenha, o pai quis saber porquê. depois de se justificar, orlando não quis saber mais: «está bem». e está bem continuou a estar.

estava josé eduardo a citar de cabeça passagens inteiras de coca-cola killer, livro de antónio victorino d’almeida – só visto porque é incrível –, quando a conversa prosseguiu pelos dias em que se conheceram, «tempos gloriosos» no liceu passos manuel. os dois fundaram a lista i, de independentes, ganharam as eleições e abalaram positivamente a vida associativa dos liceus – nesse quase final da década de 80, quase totalmente dominada pelos partidos. josé eduardo presidiu e ricardo ocupou a vice-presidência. nessa lista estavam também catarina casanova, filipe hasse ferreira e ivan nunes, que viria a fundar o movimento política xxi.

«ivan nunes? mas o ivan foi presidente da minha lista i, no liceu pedro nunes!». a citação é minha e o ponto de exclamação também… utilizo-o muito pouco, é um sinal desajustado, torna-nos ridículos, contudo assim me saiu.

uns anos mais tarde, nasceria em casa do ivan a nossa lista i. não fiz parte da primeira, fui candidato à vice-presidência somente no segundo ano. nesse grupo de gente estavam também daniel oliveira, andré belo, pedro magalhães. gastávamos as noites a colar cartazes em toda a avenida álvares cabral. havia reuniões de ideias em cafés, paixões desenfreadas e conversas até altas horas. em casa de ivan, filho de ana pratas e arsénio nunes, respeitado por todos na sua liderança, falávamos com a maior das gravidades, não estávamos ali para perder, no mínimo exigíamos a revolução.

aprendi muito ali. ivan emprestou-me o pensar de vergílio ferreira. dele apenas lera a aparição e aquele livro de pensamentos passou a acompanhar-me e a estar sempre por perto – curioso que seja a grande influência do meu só entre nós, livro que lancei no final deste novembro.

conheci, sem conhecer, o genial herberto hélder, pai do daniel, num café no largo da misericórdia. aprendi a debater. e a procurar. e a fazer televisão também. o ivan dirigia um jornal de escola, o intendente. chegou às mãos de teresa paixão, responsável dos programas juvenis da rtp, que o convidou para ‘imaginar’ um programa. haveria de se chamar lentes de contacto.

no jantar em casa de ricardo costa percebi que nunca teria pertencido a essa equipa se, dois anos antes, não tivesse existido uma outra lista i, num outro liceu, formada por pessoas que não conhecia. se josé eduardo e ricardo costa não a tivessem imaginado, e convidado ivan nunes, este nunca teria tentado fazer a mesma coisa no liceu, para onde depois se transferiria. e nunca teríamos sido convidados para fazer um programa de televisão. e a minha vida talvez não tivesse sido esta. l