Os civis

A morte da enfermeira Jacintha Saldanha, que deu informações confidenciais sobre o estado de saúde da Duquesa de Cambridge a dois radialistas australianos que se fizeram passar pela Rainha Isabel II e pelo Príncipe Carlos, ainda não foi bem explicada.

a imprensa britânica aponta para o suicídio como consequência da partida. é difícil perceber que alguém se suicide por vergonha, deixando que a honra pessoal se sobreponha à própria vida e à família. o motivo não nos parece plausível. a verdade, no entanto, é que nenhum civil, i.e., pessoa anónima e discreta, deve ser alvo da selvajaria mediática. a exploração do caso deixou a enfermeira numa situação frágil por ter cometido um erro no exercício de uma profissão que consiste em cuidar dos outros. não respeito o suicídio, mas entendo o mal-estar que um engano destes pode significar na vida de uma pessoa. ainda tenho esperança de estarmos a contar mal esta triste história.

velhos vícios

john mcafee, o criador do programa anti-vírus, é suspeito no homicídio do vizinho. fugiu e estava em parte incerta, mas durou pouco. o gawker revelou que a vice, outra publicação online, estava a fazer uma reportagem sobre ele, quando inadvertidamente denunciou a sua localização. uma fotografia inocente tirada pelo jornalista com o iphone, sem apagar o gps, mostrou que estava na guatemala. que imbecil!, deve ter pensado mcafee, enquanto espalhava informações contraditórias pelas redes sociais. mas, como dizem os mecânicos, as máquinas não mentem. graças à suspeita de homicídio como retaliação por o vizinho lhe ter envenenado os cães, conhecemos agora melhor o milionário talentoso e debochado. tinha um harém de prostitutas. uma das queixas do malogrado vizinho era o chinfrim de idas e vindas de carros a toda hora. mcafee era viciado em pornografia e drogas afrodisíacas. e assim ficámos a saber em que é que os precocemente reformados gastam o dinheiro.

amo-te tudo

depois de ver o maravilhoso moonrise kingdom, de wes anderson, fiquei a pensar que só na juventude é possível viver um grande amor, sem cinismo e cheio de fé no futuro. foi uma conclusão emotiva e precipitada. não é bem isto. é através dos mais novos que os adultos são capazes de reaver a inocência intrínseca ao amor profundo. faz parte do crescimento aprender com os erros, proteger a esperança e defender-se das contingências. no filme, temos uma bela história de amor entre dois adolescentes, mas também temos a sofisticação e inteligência de um génio que não quer endurecer a alma. embora tenha gostado dos filmes anteriores de wes anderson, moonrise kingdom passou para o primeiro lugar do top e até de outros com os quais anderson não teve nada a ver. o cinema tem destas coisas. gostamos de filmes por muitas razões. mas há certos filmes que nos fazem ter razão em esperar tudo e receber tudo deles. moonrise kingdom é um desses casos.

oh não

sou do tempo em que o instagram e o twitter viviam num ambiente de paz e amor. era possível tirar fotografias, aplicar os devidos filtros para ficarem deslumbrantes, e de imediato expô-las ao mundo twitteiro como se aquelas obras de arte fossem feitas por nós. o instagram associado ao twitter permitia uma bazófia nunca dantes conseguida. primeiro só era preciso apontar para o sítio certo que a app fazia da abécula fotógrafa um verdadeiro cartier-bresson. depois bastava reencaminhar a dita obra-prima para o twitter, deixando que fosse admirada pelo mundo. entretanto, veio o facebook e comprou o instagram e acabou a possibilidade de descarregar as fotos no twitter. aparece apenas o link e não a imagem, o que faz toda a diferença. há rumores de que o twitter terá em breve o seu próprio sistema de fotografias com filtros. mas, por enquanto, a brincadeira deixou de ter a graça que tinha. passou a ser um vício privado.

ao mesmo tempo

os investigadores da universidade do michigan estão perante um enigma. será que as pessoas ficam deprimidas quando usam vários meios tecnológicos ao mesmo tempo ou será a utilização em simultâneo da televisão com o computador e mais o telefone um sintoma de doença mental? a natureza da associação está por explicar, mas parece haver a forte suspeita de que há uma relação entre a depressão e o uso polivalente destes meios. as notícias da nossa degradação parecem-me manifestamente exageradas. ou melhor, é possível que seja uma hipótese a ter em conta no caso da espécie humana de sexo masculino. é conhecida a incapacidade masculina de executar duas tarefas em simultâneo. sabe-se lá o que pode acontecer a um rapaz que esteja a ver televisão enquanto faz mais três estrelas no angry birds. o descanso para a rapariga é o esforço para o rapaz. não se preocupem tanto em distinguir sintomas de causas. o problema é outro.