Mudam os tempos, mudam as festas nas empresas

A tradição de levar crianças ao circo mantém-se. Mas as prendas que dão aos filhos dos colaboradores são hoje diferentes. Além disso, as empresas estão a trocar as festas de Natal por acções de solidariedade. Nas entidades públicas, o Natal também já não é o que era, devido aos cortes.

desde a década de 40, todos os anos, em dezembro, era certinho. perto de lisboa, os filhos dos funcionários da sacor enchiam o pavilhão de desportos da empresa antecessora da galp para celebrar o natal. na festa, organizada pelos serviços da casa do pessoal, havia circo ou espectáculos de variedades com artistas contratados. às vezes, as próprias crianças, com alunos da escola primária do bairro da sacor, participavam na animação. recitavam poemas, tocavam instrumentos, dançavam ballet.

nessa altura – em que a empresa também fazia festas de natal no porto, aveiro e guiné, com direito a discurso dos administradores – havia ainda «um canteiro de prendas que atapetava a pista do pavilhão», descrevia, em 1965, a revista interna da sacor. os saquinhos, todos em fila, embrulhavam brinquedos e guloseimas. mas também houve natais em que traziam roupa e sapatos, porque se viviam épocas difíceis e as famílias eram numerosas. aos trabalhadores mais necessitados, escolhidos com oito dias de antecedência, era oferecida roupa de cama e alimentos.

hoje, o espírito mantém-se. o clube galp, formado por funcionários, continua a dar presentes e a levar a pequenada ao circo, no coliseu de lisboa. mas passou a convidar também crianças carenciadas, tal como fazem outras empresas em portugal, entre as quais o bcp e a central de cervejas.

menos jantares, mais solidariedade

e se, até há alguns anos, era quase obrigatório fazer jantares natalícios e dar presentes a colaboradores, clientes e parceiros de negócio, a crise e as políticas de responsabilidade social têm posto novas tendências no sapatinho.

por exemplo, há vários anos que a petrolífera portuguesa optou por canalizar os fundos que despendia em comemorações e ofertas para instituições de solidariedade social. «em 2012, a verba destinada à realização dos tradicionais jantares de natal foi utilizada na oferta de 65 toneladas de alimentos a 4.650 famílias carenciadas», explica fonte oficial da galp. no total, foram oferecidos 3.000 cabazes em portugal, «quase o dobro do ano passado», e, pela primeira vez, 1.650 em espanha. as verbas geradas na venda interna de postais de natal também serão distribuídas.

o banco montepio, que este ano doará 200 mil euros, e a unicer seguem a mesma política. na companhia de cervejas, as diferentes secções continuam a fazer um jantar de natal suportado pela empresa. mas desde 2000 que a dona da super bock «deixou de adquirir ofertas de natal, revertendo esse valor para uma instituição de solidariedade social», afirma a directora de pessoas e de comunicação, joana queiroz ribeiro.

para angariar mais donativos, o grupo unicer vende internamente uma cerveja de edição limitada. na zon e no bcp também se recolhem fundos junto dos trabalhadores. e na ibm pedem-se brinquedos, roupa, livros e bens essenciais. no grupo pestana, os colaboradores e os hóspedes dos hotéis também são convidados a deixar brinquedos. já na mota-engil «promovem-se nesta altura campanhas de apoio a instituições de solidariedade social, acções que substituem as prendas aos colaboradores», conta fonte do grupo construtor.

a edp é outro dos casos que passou a centrar a comemoração do natal apenas em solidariedade, que contrastam com grandes festas de outros tempos.

das moedas de chocolate aos cheques-prenda

ofertas, hoje, já só quase mesmo para os mais novos. ainda que, também aqui, haja variações. nalguns casos, as prendas passaram a lembranças. por causa da crise, e das «imposições do orçamento do estado», na carris, «se antigamente eram oferecidos presentes e tickets de oferta aos filhos dos colaboradores, hoje esta prática já não é exequível. actualmente, são oferecidos presentes aos vencedores de passatempos internos e lembranças, sobretudo doces, aos participantes das sessões de cinema da empresa», detalha fonte oficial da companhia de autocarros de lisboa. e indica que essa é outra alteração. é que, se antes, não podia falhar o circo de natal, agora, «devido aos fortes constrangimentos esta prática foi substituída por outros programas destinados aos filhos dos colaboradores», como concursos de desenho ou a semana de cinema nas instalações da empresa, que está em processo de fusão com o metropolitano de lisboa. este ano, a celebração natalícia mereceu um investimento de 325 euros.

entre as empresas públicas, tap e ctt não têm comemorações da quadra e na cp deixou de haver, o ano passado, festas para os filhos dos trabalhadores face «ao cenário de contenção e redução de custos actual».

já a caixa geral de depósitos (cgd) deixou de distribuir brinquedos «há cerca de 15 anos e passou a oferecer aos beneficiários dos serviços sociais um brinde monetário, para utilizarem de acordo com os seus desejos». «os custos com estas iniciativas são muito controlados e tentamos negociar com as entidades envolvidas as melhores condições», conta fonte oficial do banco estatal.

diferente dos tempos em que as crianças recebiam doces para pendurar na árvore ou moedas de chocolate, agora, além de brinquedos, o ‘pai natal’ também traz dvd, como no caso da zon, ou estipulam-se valores para que cada colaborador compre uma prenda a cada filho, como acontece na ibm. já a unicer oferece cheques-brinde.

levar os filhos dos funcionários ao circo parece ser a única tradição que perdura, ainda que também já esteja a ser substituída pelo cinema ou pelo jardim zoológico.

ana.serafim@sol.pt