A vingança da geografia

«Para perceber a geopolítica do século XXI, temos de começar com o século XX, o que quer dizer com a Europa». A frase é de Robert D. Kaplan no seu último título – The Revenge of Geography.

nos últimos 70 anos, os europeus, traumatizados por duas guerras e carnificinas que determinaram e marcaram o fim da sua hegemonia, deixaram-se ir na onda da renúncia deliberada às formas de força e de poder.

a ideia da paz tinha de ser popular para qualquer europeu que vira as suas cidades capitais – paris, roma, berlim, varsóvia, bruxelas, viena – bombardeadas, ocupadas e destruídas. e que com certeza tivera um pai ou um filho, ou parentes e amigos mortos nas trincheiras da flandres ou nas invasões e ocupações da segunda guerra.

mas a ideia de que a paz vem dos tratados da união é equívoca se não falsa. a paz veio, isso sim, da perda de poder, da deslocação do poder, para os estados unidos e para a união soviética. ao deixarem de ser os actores principais, os europeus ganhavam o direito ao descanso. até hoje.

o que vai passar-se agora com a europa?

depois de evocar as vantagens geográficas da europa antiga – o recorte das penínsulas e ilhas com bons portos e boas comunicações mediterrânicas, a exposição atlântica que permitiu e impeliu a expansão marítima dos reinos peninsulares (e os recursos mineiros disponíveis e a inovação tecnológica, que acompanharam os tempos da reforma e da ilustração no norte), kaplan reflecte sobre a actualidade.

o eixo euro-ocidental – bruxelas – estrasburgo – deslocou-se para berlim que domina pela economia e pode escolher entre os custos financeiros de sustentar e liderar uma eurolândia em anos de austeridade, ou ser o inspirador de uma mitteleuropa renovada pela relativa prosperidade dos estados do ex-pacto de varsóvia. mas estes dependem energeticamente do gás russo e temem o regresso geopolítico de moscovo pelo que se encostam aos estados unidos.

em qualquer caso, a europa continuará a envelhecer e para a sobrevivência do seu mercado de trabalho e das finanças da segurança social vai tornar-se mais pluriétnica, plurirreligiosa e pluricultural.

mas num mundo em que há uma volatilidade crescente dos recursos essenciais, a esta europa dominada pela nova e reconstruída alemanha que as derrotas militares e o complexo de culpa pós-hitleriano tornaram kantianamente pacífica, tem que ter alguma forma de segurança. o regresso da rússia, o magrebe e o próximo-oriente instáveis, são as suas fronteiras, enquanto dos balcãs à península ibérica e até nas ilhas britânicas, podem esperar-se movimentos centrífugos de independência regional.

para os europeus a geografia já não é abençoada e o destino fica mais incerto.