Todos os dias dezenas de idosos continuam a cair no conto do vigário

Todos os dias dezenas de idosos caem no conto do vigário, apesar dos alertas das autoridades sobre as técnicas usadas pelos burlões. Maria dos Prazeres foi uma das vítimas que esta semana ficou sem pensão e “o último subsídio de natal”.

a viúva de 81 anos estava a terminar o almoço quando um “homem bem vestido, de gabardine e cabelo grisalho” lhe bateu à porta. o burlão, que a tratava pelo nome, garantia ser amigo do afilhado.

“eu acreditei, porque ele disse que conhecia o meu pedro, que é quem agora olha por mim”, recordou a moradora do bairro lisboeta do beato.

o homem inventou que o afilhado lhe tinha dito para pedir dinheiro a prazeres para levantar uma encomenda, com a promessa de o devolver na habitual visita de domingo à madrinha.

a mulher, que dois dias antes tinha levantado a reforma e o “último subsídio de natal”, foi buscar as poupanças. “levou-me tudo. eram 900 euros, todo o dinheiro que tinha para me governar. fiquei sem nada”, lamenta, ainda sem perceber como tudo aconteceu.

“vinha tão bem elucidado que farto-me de pensar quem será”, questiona-se.

para as forças policiais, não há enigmas nestes casos. as técnicas dos trapaceiros são, invariavelmente, as mesmas. o burlão apresenta-se como amigo da família, é bem-parecido e conhecedor de detalhes da vida privada, características que lhe permitem ganhar a confiança do idoso.

“o vigarista profissional, antes de falar com a vítima, contacta os vizinhos para recolher informações, porque as pessoas falam mais facilmente da vida da vizinha do que da própria”, explica o major rogério copeto, da gnr.

no ano passado, a psp registou diariamente uma média de 61 crimes de burla, roubo ou furto contra idosos, num total de 22.266 delitos. a gnr contabilizou outros 326 crimes de burla.

mas existem casos que não chegam ao conhecimento das autoridades, como o de rufina oliveira, 86 anos, do bairro de campo de ourique.

os burlões que enganaram rufina encaixam no perfil traçado pelas polícias. a idosa estava a chegar a casa quando um casal se aproximou. “nunca tinha visto tal gente, mas disseram-me que vinham da parte do meu sobrinho e eu acreditei. contaram-me que iam abrir uma ourivesaria e que o meu sobrinho tinha pedido para lhes mostrar o ouro”.

confiando no casal “bem vestido e bem-falante”, entregou-lhe tudo o que tinha arrecadado durante uma vida. “assim que se viu com o ouro na mão, parecia um foguete”, recorda.

rufina tentou fazer queixa, mas não conseguiu: “na polícia disseram-me que não se tratava de um roubo, porque eu lhes dei o ouro”, critica.

com vergonha em admitir que foram enganados ou por medo de represálias, muitos idosos escondem o crime ou relatam-no apenas a familiares ou associações locais, conta o presidente da junta de freguesia do beato, onde chegaram 15 casos em 15 dias.

para prevenir, a junta lançou um “guia anti-burla” com conselhos simples, como não abrir a porta a desconhecidos. aos alertas da autarquia, rogério copeto acrescenta que os cuidados devem ser redobrados à hora do almoço, altura em que ocorre a maioria dos crimes.

apesar de ser vista como uma geração indefesa, alguns conseguem fazer frente aos vigaristas. mariana félix, 93 anos, foi alvo de duas tentativas falhadas. a última aconteceu há três meses, quando estava a almoçar, e um senhor “bem-posto” apareceu à porta a dizer que vinha da parte do filho.

“trazia um fio de ouro na mão e dizia que era uma lembrança do meu filho para eu pôr na caixa do ouro. eu disse-lhe: aqui não há ouro, só há miséria. vai-te embora que vou chamar a polícia”, recordou a senhora, que fechou energicamente a porta ao larápio, pondo fim à tentativa de burla.

lusa/sol