Beleza não é fundamental

Num quarto de casal, na cama, um homem e uma mulher trocam palavras agressivas. Pressente-se o início de uma discussão. A conversa sobe de tom, os gritos estalam.

a relação desfaz-se por uma cena de ciúmes. e o mote está dado para ‘há muitas razões para uma pessoa querer ser bonita’, peça de neil labute, encenada por joão lourenço e interpretada por ana guiomar, jorge corrula, sara prata e tomás alves, em cena na sala azul do teatro aberto até final de março.

esta é uma peça jovem, sobre pessoas na casa dos 20. mas está longe de ter a alegria da juventude. aqui tudo é negro, pesado, difícil. e, no entanto, parece tão solto, leve, inconsequente.

para joão lourenço, para quem labute é já um ‘convidado habitual’ (no teatro aberto já encenou ‘socos: peças dos últimos dias’, em 2001, e ‘a forma das coisas’, em 2004, altura em que dedicou um ciclo ao dramaturgo americano onde foi apresentada ‘paisagens americanas’, com três textos encenados por joão lopes e rui pedro tendinha), esta é apenas uma leveza aparente. como a própria peça que, diz, «é aparentemente ligeira. mas tem maldade, perversidade, egoísmo. pessoas que querem sair da sua classe. é triste. parece leve, quase uma comédia. mas está cheia de dor».

dramaturgo e encenador dedicam-se, aqui, a olhar as gerações mais novas. e fazem-no sem julgamentos morais. «eu vejo-os, sei onde andam», brinca joão lourenço. «a juventude tem que ser vista sem crítica, é preciso tentar percebê-la». e o que o encenador percebe é que a sua leveza e superficialidade não é real. e exemplifica. «à noite eles dançam, dançam, dançam. fazem-no para tentar sair desta sociedade, que os está a oprimir».

rui e xana são os protagonistas. ela sente-se feia, queria que ele a visse bonita. ele sabe que ela não o é, mas gosta dela assim. daniel e carla são o casal amigo. ele não é fiel. perde-se por qualquer rapariga que o seduza. ela engravida. quer uma família feliz, mas desconfia que algo não está bem. lamenta ser tão bela, sabe que a beleza não chega para a fazer feliz.

são as suas vidas agitadas, as suas discussões, os seus problemas que aqui vamos acompanhar, naquela que é a terceira peça de uma trilogia de labute sobre a beleza. «sei que a beleza (tal como a juventude, o poder, o dinheiro e a saúde) é um dos assuntos que continua a fascinar e a atrair a maioria de nós», disse o dramaturgo antes da estreia da peça em londres, em 2011.

agora, joão lourenço espera que neil labute possa vir a lisboa ver a sua versão que, considera, «é um melhor espectáculo» do que o apresentado em inglaterra. «nas personagens havia o muito bom e o muito mau. para nós eles não são muito bons ou muito maus. são assim». sem julgamentos.

rita.s.freire@sol.pt