Carlos Ferreira: ‘Recebemos todos os prémios que havia para receber’

Até aos 19 anos nunca tinha entrado num restaurante, hoje é dono de três em Montreal, no Canadá, e não exclui a hipótese de abrir um quarto em Nova Iorque. Vende 200 mil euros em vinhos portugueses todos os fins-de-semana e tem como clientes Mick Jagger, Nicholas Cage e Morgan Freeman.

«fiz 25 quilómetros na neve com os sapatinhos que levei de portugal para ir trabalhar no meu primeiro dia em montreal». até então, carlos ferreira nunca tinha entrado num restaurante, nem comido nada que tivesse ido ao frigorífico, «era tudo conservado na gordura ou no sal».

os primeiros dias de imigrante passou-os com dificuldade. «chorava muito. vinha de um país cheio de sol e cheguei ali e era tudo cinzento e branco». tinha 19 anos e não teve outra alternativa se não ir trabalhar para um hotel a lavar pratos. «nessa altura achei que o fim do mundo estava perto», recorda. resistiu durante alguns meses na cozinha até um amigo o recomendar para um emprego de ajudante de pasteleiro. mesmo assim, as coisas não correram logo bem.

«ao fim de uns dias, agradeci-lhe mas disse-lhe que ia morrer de angústia se continuasse a fazer aquilo». o patrão comoveu-se e perguntou-lhe se ele preferia ser motorista, ir entregar pão, recolher encomendas, fazer compras no mercado. carlos nem pensou duas vezes, apesar de não ter carta de condução nem nunca ter conduzido. «meti-me no carro – ia matando o sócio do meu patrão entre dois postes, uma árvore e a porta do cinema – mas aprendi e à tarde já estava melhor!», diz a rir como se estivesse a reviver a cena.

ficou 12 anos a trabalhar na pastelaria até que em 1988 decidiu abrir a rede de franchising bistro ferreira. era a primeira pedra de um império que viria a ser construído passo a passo. em 1996 inaugura o ferreira café, o seu primeiro projecto de grande envergadura. «quando cheguei ao canadá em 1975, os restaurantes que havia eram gregos e só vendiam cachorros e hambúrgueres. não havia nenhuma cultura gastronómica», recorda. o ferreira café nasceu como uma necessidade de defender portugal e aproximar-se dos valores que levou do seu país natal.

cerca de 12 anos depois, regressou para se abastecer de produtos tradicionais para a grande inauguração do ferreira, um projecto de 1,2 milhões de dólares que contou com os melhores designers, arquitectos e empreiteiros: «recebemos todos os prémios que havia para receber!». um mês antes, soube que o banco não lhe ia emprestar o dinheiro. «quis morrer. estive 10 dias fechado em casa a pensar na melhor maneira de o fazer». mas a boa vontade de todos os que trabalhavam consigo permitiu levar o projecto avante mesmo sem empréstimo. no primeiro ano, o negócio teve um lucro de 1,8 milhões de dólares (€1.377.000), no segundo ano foram 2,4 (€1.836.000) e no terceiro 3,8 (€2.906.980).

actualmente regista um crescimento de 20% ao ano. pelo meio, tornou-se o principal importador de vinhos portugueses, representando mais de 18 marcas nacionais, e abriu mais dois espaços: o vasco da gama, em 2004, e o f bar, em 2010, ambos em montreal. pelas paredes dos restaurantes desfilam os momentos mais altos do seu percurso – a gala anual dos chefes, onde angariou 80 mil dólares para o haiti, fotografias ao lado de mick jagger, nicholas cage ou morgan freeman, momentos do jantar anual de gala de beneficência ‘la vittoria, soirée gastronomique’, em 2011, que juntou chefes de renome como daniel boulud (chefe executivo do daniel, boulud sud, dbgb kitchen & bar) ou christophe michalak (do plaza athénée).

a inscrição custava 20 mil dólares, mas o evento atingiu a lotação máxima em pouco tempo. «não estaria onde estou hoje se não fosse generoso e se não tivesse uma visão de partilhar e de estar à frente com angariação de fundos para instituições que precisam. é impensável receber e depois não dar», remata.

para já, carlos ferreira rejeita abrir um negócio em portugal. o seu grande objectivo é nova iorque ou paris, onde acredita que os vinhos portugueses estão mal representados. «temos um milhão de portugueses em paris que querem beber vinho português! mas se pudesse contribuir de uma forma tão grande para os produtos portugueses como faço em montreal, vejo nova iorque como uma prioridade porque há ali muitos compatriotas e portugal está pessimamente representado».

por ter uma paixão tão grande pelos produtos nacionais – e em especial pelo vinho – este ano comprou 20 hectares de vinha no alto douro que lhe darão 50 mil garrafas a chegar ao mercado em 2013. «espero que não vão todas para os meus restaurantes no canadá! vou tentar também distribuí-lo pela europa. afinal, a razão de ter comprado esta vinha é porque sou um grande consumidor deste produto mas também porque quero que este vinho seja conhecido além fronteiras».

patricia.cintra@sol.pt