‘Quando cheguei ao Benfica diziam que ia ser emprestado’

Nasceu em Angola, mas em pequeno viveu no Congo e acabou a carreira na Austrália. Há 22 anos, Vata, ex-jogador do Benfica, entrou para a história do futebol com um golo que continua a negar ter marcado com a mão. Está de volta a Angola «para ajudar».

há quantos anos está em angola, depois de tanto tempo no exterior?

há cerca de três. vim em 2009.

e veio de onde?

da austrália. aliás, ainda tenho lá a minha mulher e a família toda.

foi na austrália que terminou a sua carreira de futebolista, ou na indonésia?

a bem dizer, terminei na austrália. vivi na indonésia quase 15 anos. só depois fui para a austrália jogar, em 2001, mas infelizmente o clube foi à falência. depois fui jogar para uma equipa em melbourne, onde acabei por ficar a viver. joguei até aos 44 anos.

regressou por sentir saudades de angola?

não foi só por sentir saudades. queria vir para angola, onde nasci, para ver se ajudava com a experiência que ganhei lá fora.

como foi a sua vida? nasceu no uíge…

nasci no uíge, ainda no tempo colonial. era muito pequeno quando fugi com os meus pais e mais três irmãos para o congo. aliás, dos 10 filhos que os meus pais tiveram, fui o último a nascer em angola. comecei a jogar à bola aos 12 anos, no emwenge. mais tarde, já com 16, fui para a primeira divisão. eu e – não sei se se lembra – o n’dinga e o basaúla, que mais tarde jogaram no vitória de guimarães.

quando é que veio jogar para angola?

no congo, na nossa cidade, em 1982, havia alguém que era primo de um dirigente e que nos disse que andavam à procura de jogadores angolanos para jogar em angola. viemos seis. chegámos a 14 de fevereiro de 1982. um mês depois fomos em estágio para portugal, para a póvoa de varzim. e estive quase para não voltar, mas…

mas voltou a angola…

começámos o campeonato, mas na primeira volta, na maioria dos jogos, só empatávamos, não ganhávamos – também não perdíamos. acabámos por ficar em quinto ou sexto, já não me lembro bem. depois tínhamos a taça de angola, frente ao petro do huambo. foi um jogo que nunca mais esqueci. havia lá um médio tão grande que parecia um guarda-fatos [risos]. aquele homem batia-me até na sombra. era o almeida. ele bem me avisou: ‘você por mim não passa’. mas colocaram a bola na minha frente, ele a correr atrás de mim, o guarda-redes aproxima-se e, antes que eles me entalassem, saltei e os dois chocaram. com a bola na linha de golo comecei a chamar os dois, mas eles não se levantavam. toda a gente a pedir golo e eu a mandá-los levantar. ainda hoje, quando esse guarda-redes me vê, diz: ‘você é bandido’… [risos]. marquei o golo e o árbitro invalidou-o por… falta de respeito.

e quando foi jogar para portugal?

a 1 de janeiro de 1983 embarquei para portugal, pois tinha de fazer lá um tratamento na perna direita. quando cheguei, contactei um antigo treinador meu, o argentino gonzalez, que me disse que, se eu quisesse jogar no águeda, para falar com o josé carlos, um ex-jogador do sporting. assim fiz. no primeiro dia começaram a rir-se de mim e a perguntar: ‘mangolé, também joga à bola?’.

depois passou pelo varzim.

um dia, quando estava em casa a dormir, apareceram uns homens do varzim a dizer que já tinham a minha licença e que teria de ir para a póvoa. perguntei-lhes como é que eu ia fazer para pagar o quarto e apenas me disseram que voltariam às 11 da noite para me levarem. tive de atirar a mala e pular o muro da casa. lá fui jogar para o varzim. e o primeiro jogo que fiz foi contra o vitória de guimarães. nesse ano, em que só joguei a primeira volta e marquei nove golos, o varzim desceu de divisão. fiquei lá três anos e meio.

carlos.ramos@sol.pt