em cena no teatro da politécnica, dos artistas unidos, até 23 de fevereiro, a peça é encenada por pedro carraca. e traz-nos a história de lynndie england, uma dos 11 militares norte-americanos condenados por abusos e tortura de prisioneiros na prisão de abu ghraib, em bagdade, em 2005. grávida, lynndie recorda os abusos que horrorizaram o mundo, quando foram divulgadas fotografias da tortura que os militares infligiram aos prisioneiros iraquianos, colocando os seus corpos nus em pirâmides, puxando-os por uma trela, fazendo-os masturbar-se, enquanto celebravam.
a peça segue com a história de david kelly, o inspector de armamento britânico que denunciou à bbc a não existência de armas de destruição maciça no iraque – tendo sido encontrado morto dias depois de ter sido questionado por um comité parlamentar, presumindo-se que tenha cometido suicídio. são as suas últimas palavras as que vamos escutar, numa confissão de culpa por uma guerra feita sob falsas premissas.
e quando achamos que já atingimos o nosso limite, eis que chegamos ao último – e mais negro – monólogo da peça, no qual nehrjas al saffarh (numa extraordinária interpretação de maria josé morgado), activista e militante do partido comunista iraquiano, descreve as torturas que ela e os filhos sofreram às mãos do regime de saddam no palácio do fim, câmara dos horrores do regime.
não é fácil assistir à peça. mesmo a dramaturga, conhecida pela habitual dureza dos seus textos, confessou que ouvir uma vez o monólogo final é suficiente, não tendo assistido aos ensaios. o horror de saber que todos estamos sujeitos a uma violência sem limites que nós próprios, em determinada situação, podemos vir a cometer é insuportável. é a perda total da humanidade que nos prova que somos humanos, num paradoxo sem moralismos.
«gosto de textos que roçam o documentário (…). interessa-me o que torna as pessoas violentas. esta realidade, para nós, não existe, não acontece nas nossas vidas, não a consideramos como a verdade. mas neste mundo há uma série de pessoas a passar por isto», diz o encenador, explicando porque decidiu passar três meses numa verdadeira descida aos infernos. que é real. e obrigatória.
na politécnica está também em cena a 20 de novembro (até 19 de janeiro), de lars norén, encenada por francis seleck e com joão pedro mamede, que, num monólogo que é mais um diálogo com o público, recorda (a partir dos seus diários) o massacre cometido pelo alemão sebastian bosse que, em 2006, disparou sobre colegas e professores antes de se suicidar na sua escola.