Armstrong, o fim do mito e da mentira

Está confirmado o que durante anos todos negavam: o ciclista herói que venceu sete Voltas a França utilizava substâncias dopantes. Lance Armstrong falou à conhecida apresentadora de televisão norte-americana Oprah Winfrey e finalmente desfez «a mentira» que repetiu «inúmeras vezes».

a entrevista, que já tinha sido gravado no início desta semana, foi emitida esta noite (2h em lisboa) perante os olhares de pessoas de todo o mundo. a primeira pergunta não podia ter sido mais directa:

«alguma vez tomou substâncias proibidas para melhorar a sua performance desportiva?». «sim». «alguma dessas substâncias era epo?», voltou oprah. «sim». «usou mais alguma?» e a resposta repetiu-se: «sim».

foi o fim da mentira de uma vida e o fim das últimas esperanças dos fãs. o ex-ciclista confessou que recorria a eritropoietina (epo) e a outras substâncias ilícitas para melhorar o desempenho desportivo, como testosterona, cortisona, hormonas de crescimentos e até transfusões de sangue.

desculpando-se por ter traído a confiança das pessoas, armstrong não apontou nomes que o terão auxiliado na tarefa e desculpou-se aos fãs: «eu tomei essas decisões, são um erro meu e lamento muito por isso».

«toda a culpa tem de ser atribuída a mim, e só a mim», continua. «perdi-me em tudo o que aconteceu, não consegui lidar com a situação. a história é tão má e tóxica…mas grande parte dela é verdade», lamenta lance armstrong, referindo-se à última década de negação, em que recorreu a todos os meios para afirmar a sua inocência.

o norte-americano de 41 anos confessou ter recorrido ao doping em cada um dos sete tours de france que venceu (de 1999 a 2005) e que o objectivo último era mesmo vencer a prova-mãe do ciclismo. ainda assim, armstrong afirma que na altura não sentia que estava a fazer batota – «parecia-lhe errado?», perguntou oprah. «não. assustador» – e não receava «ser apanhado».

e explica porquê: «a definição de um batoteiro é alguém que quer ganhar vantagem face ao adversário. e eu não via isso assim. não percebia a magnitude daquilo». mas, anos depois de ter deixado o ciclismo de competição, armstrong garante que «o mais importante é que estou a aperceber-me disso agora».

o ciclista fez ainda referência à sua luta contra o cancro, que travou em meados dos anos 90, e que fez dele um «lutador», uma pessoa com vontade de «vencer a qualquer custo».

apesar de se recusar a apontar nomes de pessoas que tenham estado por detrás do esquema de doping, armstrong nega as conclusões da agência de anti-doping norte-americana (usada) de que se tratou do «mais sofisticado programa de doping» da história do desporto. «era inteligente, mas era arriscado», afirmou o ex-ciclista, assegurando que não fazia parte de nenhuma rede maior de doping ou de alguma «conspiração».

mas como funcionava afinal o esquema, se armstrong passou nas centenas de testes anti-doping a que se submeteu? «os testes evoluiram. naquela altura não vinham à tua casa e durante a maior parte da minha carreira não se realizavam muitos testes fora das competição, portanto não se era apanhado porque ficava-se limpo a tempo das corridas». era tudo uma questão de «calendário», diz.

consciente da desilução que estampou no rosto dos que acreditavam em si, armstrong lamenta o erro e garante que vai passar «o resto dos [seus] dias a tentar desculpar-se e a tentar recuperar a confiança das pessoas».

se pudesse voltar atrás, o ex-ciclista assegura que teria colaborado com a investigação da usada. teria pedido uns dias para falar com a família e com os patrocinadores, nomeadamente a fundação livestrong de que é responsável, e ter-se-ia entregado. «adorava ter conseguido fazer isto, mas não consegui», disse.

agora, armstrong reafirma a sua vontade de colaborar com a usada, em nome do ciclismo: «eu adoro o ciclismo, e digo isto mesmo sabendo que toda a gente me vê como alguém que desrespeitou a modalidade e a cor amarela». 

lance armstrong deixou o ciclismo em 2005, mas regressou de 2009 a 2012. neste último período, no entanto, garante que nunca recorreu ao doping. e «essa foi a única coisa que realmente me chateou no relatório da usada». porque era mentira.

rita.dinis@sol.pt