Padre acusado de burlar o Estado

O Ministério Público de Abrantes está a investigar duas denúncias de fraude ao Ministério da Saúde e à Segurança Social nas instituições geridas pelo cónego José Graça, em Abrantes. Este diz-se surpreendido com as queixas e nega qualquer esquema para defraudar o Estado.

o cónego é acusado de manter ‘utentes-fantasma’ na comunidade terapêutica joão guilherme, que dirige, recebendo 720 euros por mês pelo internamento de dezenas de pessoas que já abandonaram tratamento e nalguns casos até já morreram. este centro de desintoxicação está sob alçada do centro interparoquial de abrantes – que tem ainda três apartamentos de reinserção de toxicodependentes e alcoólicos na região – cujo responsável é o sacerdote.

os esquemas «fraudulentos» para garantir o financiamento das instituições do centro interparoquial são detalhados ao pormenor nas queixas, recebidas este mês e em dezembro passado, pelo ministério público de abrantes e pelo departamento central de investigação e acção penal.

quando um doente é expulso ou sai por sua vontade da comunidade terapêutica, a instituição é obrigada a reportar esta alta não programada ao serviço de intervenção nos comportamentos aditivos e nas dependências (sicad), tutelado pelo ministério da saúde (ms). mas não o faz. ao longo de anos, «dezenas e dezenas de utentes foram mantidos durante meses nas listas nominativas entregues ao sicad como se continuassem em tratamento, continuando a instituição a receber do estado dinheiro para comparticipar estas camas que não estão ocupadas», lê-se numa das denúncias. há mesmo utentes «detidos em estabelecimentos prisionais» ou «já falecidos que continuaram a ser contabilizados» nas listas entregues ao organismo do ms.

cobranças a dobrar

o mesmo esquema terá sido usado naqueles três apartamentos para a reinserção de ex-toxicodependentes e ex-alcoólicos em abrantes, castelo branco e ponte de sôr geridos pelo centro interparoquial.

cada apartamento tem 10 camas protocoladas com a segurança social (ss), mas nunca estarão todas ocupadas. «também aqui o presidente da instituição tem recorrido a fraudes», é explicado numa das denúncias.

os lugares vagos nos apartamentos são completados na lista de utentes enviada à ss com nomes de pessoas que constam das listas da comunidade joão guilherme e que já abandonaram o tratamento ou morreram. como não há cruzamento de dados entre ministério da saúde e a ss, o centro interparoquial «recebe duas vezes por cada um deles».

o padre é também acusado de inscrever e levantar o valor do rendimento social de inserção (rsi) dos utentes e de não o entregar na totalidade, retendo parte da verba a título de comparticipação pelo tratamento, que, por lei tem de ser custeado em 20% pelo utente ou a sua família.

comunidade já foi obrigada a devolver mais de 65 mil euros

o esquema de duplicação de utentes nesta comunidade já tinha sido detectado há mais de uma década pelo organismo responsável pelo combate à toxicodependência.

em 2001, durante uma operação de fiscalização, foram descobertas várias irregularidades quer na comunidade terapêutica quer no centro de dia, «resultantes de incorrecções nas listas nominativas» apresentadas para a cobrança dos tratamentos realizados, reconheceu ao sol joão goulão, director-geral do sicad.

mas só um ano depois o então serviço de prevenção e tratamento da toxicodependência conseguia que o cónego devolvesse ao estado os valores «irregularmente» cobrados, admitiu joão goulão. no total, o presidente da comunidade foi obrigado a devolver 65. 358,98 euros, através de um «encontro de contas».

apesar disso, e desde então, não foram reforçadas as auditorias à comunidade terapêutica. «tivemos vários problemas no nosso departamento de auditoria», explica goulão. o director-geral foi entretanto informado de novas irregularidades, já reportadas à inspecção-geral das actividades em saúde.

padre nega esquema e só admite pequenas falhas

ao sol o cónego josé graça diz «ignorar por completo estas denúncias que não correspondem à realidade», mas vai adiantando que estas queixas não serão mais do que «um ajuste de contas de alguém por qualquer motivo de disciplina interna».

o padre diz não ser ele «quem faz as listas de utentes» enviadas ao sicad e à segurança social, mas reconhece que possam existir «algumas falhas» na sua elaboração. «pode acontecer que um utente que abandona a instituição a meio do mês seja incluído na lista como tendo estado o mês inteiro, mas nada mais do que isto», assegura.

o cónego – que está também à frente do centro social diocesano de santo antónio de portalegre – desvaloriza as irregularidades detectadas em 2001 pelo organismo do ms, considerando que a verba devolvida ao estado pelo centro foi «irrisória».

já sobre o rsi, o padre admite que é a comunidade quem inscreve os utentes e levanta os vales. «ficamos com 100 euros dos 185 euros do rsi, para assegurar o contributo dos utentes», diz. o restante é-lhes devolvido para tabaco, cafés e outros gastos.

joana.f.costa@sol.pt