a cada família, todos os dias, é dado um quilo e meio de arroz para duas refeições – independentemente do número do agregado. em gaza, as cheias da semana passada já causaram 39 mortos, 12 dos quais em chókwè. mais a norte, as províncias da zambézia e de nampula registaram oito mortes (três das quais de crianças), devido às chuvas desta semana.
o administrador de chókwè, alberto libombo, reconheceu ao sol que o governo ainda não tem uma solução imediata para evitar inundações nos próximos anos porque «não há dinheiro disponível para estas obras».
barragem precisa-se
segundo o administrador, para se evitar novos casos de inundações, é preciso tapar o rombo que ocorreu na zona de machiane no rio dos elefantes, quase na confluência com o rio limpopo. «tapando o rombo e aumentando a cota do dique de defesa de chókwè, pode-se evitar as cheias nesta cidade», afirmou. as fragilidades do dique de defesa da cidade ainda são consequência das cheias de 2000.
ao sol, alberto libombo avançou também que é imprescindível construir a barragem de mapai no rio limpopo – um projecto que vem desde os tempos da presidência de samora machel. a chuva que cai nos países vizinhos, nas palavras do administrador de chókwè, provocou as inundações ao longo do vale do limpopo.
a vida em chiaquelane
na sombra de uma das muitas árvores que acomodam milhares de vítimas das inundações estão olga bernardo e os dois filhos recém-nascidos. a jovem de 23 anos, do bairro 4 de chókwè, teve os gémeos no momento em que o pátio da sua casa começava a ficar inundado, na terça-feira da semana passada.
o parto ocorreu por volta das 7 horas e, segundo a sogra, rabeca mahumana, foi «por milagre» que a água não entrou no quarto no momento do parto. «só posso considerar que isto foi um milagre porque, assim que a olga teve os meus primeiros netos, a água invadiu a nossa casa».
a alegria de ter tido netos gémeos dura segundos – a imagem e o sentimento de ter perdido quase tudo não lhe dão tréguas. a sogra de olga só conseguiu levar a roupa que trazia no corpo, rede mosquiteira e umas capulanas para a nora (que também servem para cobrir os recém-nascidos). chegaram a chiaquelane por volta das 14 horas dessa terça-feira e, segundo conta, nesse dia, olga alimentou-se graças à boa vontade de pessoas que lá estavam. os bebés só tiveram assistência médica no dia seguinte, no posto de saúde de chiaquelane.
sob a rede mosquiteira sustentada por ramos cortados no cajueiro onde está com a família, olga bernardo dorme numa esteira de pouco menos de um metro. «por temer magoar os meus filhos, pouco durmo. por mim, até dormia fora da rede, mas sinto que os meus filhos precisam do meu calor. têm de sentir que estou aqui», chora, queixando-se da falta de apoio das autoridades locais.
a mãe dos gémeos pede que os responsáveis pela distribuição de tendas lhe dêem uma, para evitar o pior se a chuva voltar. no centro existem pouco mais de 100, dadas às primeiras famílias que se fixaram no centro de chiaquelane.
a viúva bebete valoi, os cinco filhos e as duas irmãs só conseguiram levar para chiaquelane quatro panelas, alguma roupa e 500 meticais (12 euros). desde que chegou, na tarde de quarta-feira, transportada no camião de um comerciante da cidade de chókwè, a família só se alimenta de arroz simples. dormem todos no capim, sem redes para se protegerem das picadas dos mosquitos, que abundam nas águas estagnadas. «se começar a chover, não sei o que será de nós. a água já nos levou tudo. só falta levar-nos a nós», disse bebete, que morava no bairro 4 de chókwè e ficou sem casa. «as águas vieram muito rapidamente e traziam lixo, mobília e roupa, levando tudo à frente. a corrente era muito forte. chegou aos dois metros de altura».
na sexta-feira passada, o ministério da saúde moçambicano disponibilizou 5 mil redes mosquiteiras. foram construídas dezenas de latrinas, ainda insuficientes para as 70 mil pessoas desalojadas.
casas, ruas, centros comerciais, complexos turísticos, empresas de cultivo, produção e processamento de arroz, e outras grandes empresas de chókwè não conseguiram enfrentar a força das águas. são décadas de investimento destruídos, cuja recuperação poderá também levar décadas. alguns empresários já iniciaram a limpeza dos seus estabelecimentos – muitos terão de recomeçar do zero.
já esta semana, 100 homens das forças armadas de defesa de moçambique iniciaram o processo de limpeza da cidade de chókwè para permitir o regresso da população. tem havido assaltos a lojas – «não podemos morrer à fome quando há comida apodrecendo nos armazéns», justificou ao sol a residente rita moiane.
o fornecimento de água e luz está lentamente a ser normalizado.
a desgraça repete-se
enquanto o nível das águas não baixava, anabela pedro esteve refugiada no primeiro andar de um hotel, desde a noite de terça-feira até quinta-feira passada. «comecei por ouvir pessoas gritando que a água estava a chegar e depois vi a água entrar em minha casa. só levei os alimentos que tinha em casa e os cobertores e fugi para este hotel», conta ao sol, momentos depois de ter descido do complexo turístico.
relata que viu a sua casa desaparecer debaixo da água. a mulher de 38 anos (assim como grande parte da população de chókwè) já tinha perdido tudo nas cheias do ano 2000. casa, haveres e uma perda irreparável: o seu pai. «hoje, mais uma vez, acontece-me esta desgraça».
ela e a irmã demoraram oito anos a recuperar o que tinham perdido na altura. viviam numa casa de caniço, sustentando-se com o que produziam na machamba e o trabalho da irmã numa loja da cidade. anabela diz não ter esperança no apoio do governo: é que, depois das inundações de 2000, reorganizou a sua vida sozinha. «o governo nunca se preocupou connosco senão teria evitado estas inundações».