claro que não. o encarnado desapareceu em portugal, incluindo nas legendas dos filmes (onde o red, ou o rouge, ou o rojo, são descaradamente traduzidos por vermelho).
restam-nos as nossas casas, onde não só mantemos educadamente a cor encarnada, como a aproveitamos para nos distinguirmos de quem não a mantém. embora possamos ser vítimas da conspiração possidónia. ainda há dias, uma sobrinha, vinda do colégio, chamava vermelho ao encarnado. quis emendá-la, mas ela obstinou-se, obviamente amparada numa professora pouco recomendável. finalmente, a mãe da miúda conseguiu levá-la a um compromisso aceitável: o ‘vermelho’ fica no colégio, e em casa passa a ‘encarnado’.
chamemos as coisas pelos nomes: o vermelho é não só uma palavra pirosa como mostra cruamente quem a usa. e eu não sou fundamentalista: aceito perfeitamente os frutos vermelhos. e admito que os comunistas continuem a ser vermelhos. mas já o benfica, clube estimável, só pode ser encarnado.
a mania do vermelho é parente próxima daquele tique piroso que leva a complicar as palavras, e a substituir, por exemplo, ‘receber’ por ‘recepcionar’, ou ‘perceber’ por ‘percepcionar’. e o ‘percepcionar’ ainda é pura ignorância parola. já o ‘recepcionar’ está no dicionário com um significado bem diferente: o de organizar uma recepção de pessoas. mas até essas recepções, infelizmente, parecem coisas de outros tempos. como o encarnado.