Dívida trava retoma na Zona Euro

O astronómico endividamento da banca e empresas europeias está a ameaçar a esperança de retoma na Zona Euro e promete estragar a euforia que os líderes europeus – Portugal incluído – têm insistido em apregoar, nas últimas semanas.

os estados europeus abusaram dos anos de crédito barato e abundante do pré-2008 – provocando a crise do euro e as sucessivas intervenções externas –, mas os excessos de endividamento das empresas e dos bancos foram muito mais longe.

a saúde financeira dos sectores empresarial e financeiro é assim o lado mais perigoso e oculto da actual crise, que os governos parecem preferir não tratar e os investidores não ver. só a banca europeia deve, em média, três vezes mais do que os estados do euro. os sistemas financeiros alemão e francês têm, cada um, dívidas de 8 biliões de euros, quatro vezes mais do que o endividamento de berlim ou paris.

se somada, a dívida total de governos, empresas, famílias e bancos da zona euro atinge 448% do produto interno bruto (pib), segundo dados do credit suisse. ou seja, a região deve quase cinco vezes o que consegue produzir num ano. e, deste valor, a grande fatia – quase dois terços – pertence a empresas e banca.

grécia, o bom aluno

em termos globais, o endividamento de portugal é inferior à média europeia – 396% do pib –, sendo que somente um terço é do estado (o restante está distribuído entre empresas e banca). a grécia, epicentro da crise do euro, acaba por ser um dos ‘bons alunos’ da europa neste capítulo. a sua dívida total é de ‘apenas’ 353% do pib, muito abaixo da média do euro e perto da marca alemã.

o valor mais surpreendente vem, porém, da irlanda: o primeiro candidato a sair de um programa da troika e visto como um exemplo a seguir. os números do credit suisse evidenciam que o problema irlandês está longe de estar resolvido. a dívida total do ex-tigre celta é a mais elevada do mundo, atingindo 1230% do pib – um valor insustentável em qualquer latitude.

o caso irlandês, onde o peso do estado na dívida total não chega a 10%, demonstra os perigos da escassa atenção dada ao endividamento da banca e empresas.

crescimento anémico

contas feitas, quando se olha para o nível de endividamento da zona euro de uma forma global, incluindo não apenas o estado, mas também empresas, banca e famílias, as conclusões não deixam de ser surpreendentes: o estado é a parte mais saudável da economia, a grécia é dos países menos endividados, a dívida portuguesa é inferior à média europeia e a irlanda é o pior aluno da moeda única.

o endividamento da economia europeia é já superior ao período pós-segunda guerra mundial e ninguém sabe como se vai pagar uma dívida que só na banca ascende a 30 biliões de euros.

com um nível de crédito tão elevado e com o fim do dinheiro barato, empresas e banca não têm forma de continuar a alimentar os lucros com mais dívida e estão obrigadas a reduzir a exposição com cortes nos custos e investimento. e esse processo está já a ter fortes implicações nos países.

a desalavancagem na banca resultou em menos crédito à economia e a contenção de custos nas empresas levou a que o investimento em portugal, por exemplo, recuasse 30% para níveis de 1960. economistas da blackrock, a maior gestora de activos mundial, referem que, por tudo isto, a europa enfrenta um período de fraco crescimento nos próximos anos, afastando assim os cenários optimistas que os líderes internacionais têm vindo a reiterar nos últimos tempos para a europa. com uma queda de 0,3% do pib estimada para 2013, a zona euro deverá ser o único grande bloco económico que não vai crescer este ano. os eua deverão expandir-se 2%, a ásia (sem japão) 6,7% e a economia mundial 3,2%.

troika na banca e empresas

portugal não é excepção nesta tendência. mais do que a banca, são as empresas o lado mais negro do endividamento. as instituições não-financeiras devem mais de 200% do pib e na banca 30% das empresas com créditos já estão em incumprimento, segundo dados do banco de portugal. depois dos cortes nos excessos do estado com as intervenções da troika na zona euro, antecipa-se um longo processo de cortes nas empresas e banca.

luis.goncalves@sol.pt