Violência contra mulheres não terá fim ‘a não ser que economia recupere’

A violência contra as mulheres não terá fim “a não ser que a economia recupere”, sustenta Eve Ensler, fundadora da campanha que quer pôr mil milhões de pessoas a dançar no Dia dos Namorados.

mais de 200 países, incluindo portugal, já aderiram à dança global convocada para quinta-feira pela campanha one billion rising (www.onebillionrising.org), que quer acabar com a violência contra mulheres.

o nome tem explicação numa estatística das nações unidas: “mil milhões de mulheres — uma em cada três — serão violadas e agredidas no planeta durante a sua vida”. a campanha propõe que um número igual ou superior de mulheres e homens se junte em todo o mundo, dançando, num só dia.

fundadora da campanha e dramaturga norte-americana, celebrizada pela obra “os monólogos da vagina”, eve ensler falou com jornalistas de todo o mundo, numa teleconferência de uma hora.

em resposta à pergunta da lusa, ensler reconheceu a relação entre crise e vulnerabilidade, alertando que, “em alturas de austeridade ou regressão económica, a violência contra mulheres sempre aumenta”.

entre as razões para o aumento da violência estão a degradação das condições de vida em geral, o sentimento de “humilhação” dos homens que se vêem sem rendimento e a “objectificação das mulheres”, quer através do tráfico sexual, quer através da venda “por menos do que um telemóvel”, enumera a activista.

“não podemos eliminar a violência a não ser que a economia recupere e [se altere] a forma como tratamos 99 por cento das pessoas, (…) que vivem em stress e com dificuldades”, frisa.

a dramaturga tem passado bastante tempo na república democrática do congo, onde milhões de mulheres são violadas e torturadas. e deu por si a imaginar o que o mundo poderia ser se, de repente, a violência cometida ali, com raízes no “colonialismo, capitalismo e pobreza”, se tornasse numa realidade global.

ali lhe surgiu a ideia para a campanha, por acreditar que, “se o coração de áfrica começar a sarar as feridas, o resto mundo sarará também”. foram também as mulheres congolesas, “das mais fortes e bonitas” que já viu, que lhe deram a resposta, porque “transformam dor em poder, sofrimento em liderança, agonia em visão”, através da dança.

“vi o poder da dança e comecei a pensar o que seria se mil milhões de mulheres, e todos os homens que as amam, dançassem no mesmo dia, em todo o planeta”, conta.

ensler confia que será possível atingir o número de mil milhões de participantes, porque nenhuma ideia anterior “pegou fogo” como esta, juntando “organizações que nunca combateram juntas” e atraindo um número de homens “inédito na história do movimento contra a violência”.

já aderiram desde líderes políticos (presidente da croácia, ivo josipovic, e primeira-ministra da austrália, julia gillard) e religiosos (dalai lama) a trabalhadores, estrelas de cinema a mulheres indígenas, sindicatos a artistas.

a adesão e as redes sociais puseram “a violência contra as mulheres no centro da agenda nos países onde a campanha se vai realizar em simultâneo”, destaca a activista. “provavelmente nunca voltaremos a ver uma acção desta dimensão, especialmente pelas mulheres”, diz.

portanto, “o objectivo é agora o mundo”, porque “a violência não é específica de nenhuma cultura e alastra-se por todo o planeta”, realça.

“temos de sair desta mentalidade que diz que [a violência contra mulheres] faz parte da nossa cultura. podemos mudar. a cultura muda, certo? estamos sempre a mudar a cultura, mudamos a forma como pensamos, a forma como sentimos. costumávamos achar que o mundo era plano, costumávamos achar impossíveis coisas que agora são possíveis”, recorda.

impõe-se, defende, “desenvolver a imaginação” para criar um mundo “onde homens e mulheres vivam sem violência, sem um acima do outro, sem um a magoar e outro a sofrer”.

eve ensler não tem dúvidas: o que vai acontecer a 14 de fevereiro é “uma revolução através da dança”. e deixa um apelo: “quando dizemos o que não é suposto e fazemos o que não é suposto, o mundo muda.” é isso que a fará dançar na quinta-feira, em bukavu, na república democrática do congo.

lusa/sol