A viagem de jipe que hoje alimenta 700 mil crianças em 16 países

Magnus MacFarlane-Barrow ainda admite surpresa quando tenta explicar como uma viagem num jipe carregado de alimentos para a Bósnia, em 1992, se transformou num programa que hoje dá uma refeição diária a 700 mil crianças em 16 países.

numa altura em que as estatísticas demonstram quedas nos fundos públicos para apoio humanitário e de desenvolvimento e até, em alguns países, quedas nas doações privadas e de empresas, a organização mary’s meals continua a crescer.

“pequenos projectos são verdadeiramente importantes, por si só. nem tudo tem que ser grande. mas também como projectos que podem progressivamente ter um impacto global, à escala global”, disse magnus macfarlane-barrow à lusa em barcelona.

“o nosso projecto é um exemplo disso. algo simples, mas muito eficaz, que funciona à escala global. começou pequeno e, porque funciona, continua a ter apoio em todo o mundo e a crescer como está a crescer”, afirmou.

hoje a organização é quase um “movimento global” que procura criar programas escolares de alimentação em comunidades onde a pobreza e a fome condicionam, desde a nascença, a vida das crianças.

a ideia é simples: fornecer uma refeição na escola leva as crianças mais pobres para o sistema educativo, onde podem ter acesso a educação básica e assim, potencialmente, conseguem romper o ciclo de pobreza.

o projecto cresce porque a organização assegura que por cada euro que recebe aplica um cêntimo na sua própria gestão, seis cêntimos em ‘fundraising’ e o restante, 93 cêntimos, em refeições para crianças. e alimentar diariamente uma criança durante todo um ano escolar só custa, em média 12,4 euros.

“desde que começámos, as necessidades sempre foram enormes. hoje há 61 milhões de crianças sem acesso à escola, por causa da pobreza. o aumento dos custos alimentares em muitos países tornou a situação ainda pior em alguns casos”, disse à lusa à margem da conferência doing good doing well, organizada pela escola de negócios iese.

o projecto começou, na prática, em 1992. na altura com 24 anos, magnus e o irmão, fergus, viviam na zona rural escocesa de argyll quando as imagens do conflito bósnio o emocionaram de tal forma que decidiu iniciar uma campanha de recolha de alimentos entre amigos e vizinhos.

carregou um jipe e juntou-se numa coluna em direcção à localidade bósnia de medjugorje. quando voltou, descobriu que na sua ausência as doações continuaram a chegar, enchendo a garagem e parte da casa dos pais em dalmally.

deixou o emprego – inicialmente iria ser por um ano – e comprometeu-se a ir distribuindo a ajuda enquanto ela fosse chegando. e desde então não parou de chegar, com o projecto a ganhar tal dimensão que foi necessário registar uma organização não-governamental (ong), então conhecida como scottish internacional relief (sir).

hoje com 44 anos, o antigo pescador lidera um projecto em constante crescimento, com cada vez mais doações, mais voluntários e novos programas nacionais – em breve deverá arrancar o programa de recolha de donativos em portugal e espanha.

num momento de crise financeira na europa, macfarlane-barrow admite que, por vezes, se afirmou que a solidariedade deveria começar ‘em casa’, combatendo a pobreza mais próxima.

“é tudo uma questão de perspectiva. temos pobreza na europa e muito sofrimento por causa disso. mas normalmente não é comparável com o tipo de pobreza com que lidamos. crianças que não têm que comer. dezoito mil crianças morrem todos os dias no mundo em desenvolvimento por causas relacionadas com a nutrição e a alimentação”, disse.

“e o efeito da crise europeia até está a ser outro. as pessoas que hoje vêem as situações de pobreza e de sofrimento a aumentar, mais próximo, começam a pensar mais sobre questões como a fome, de uma forma que não faziam no passado, quando o tema era muito distante”, disse.

por isso, e porque apesar do recuo dos apoios governamentais a mary’s meals continua a ter crescente apoio da cidadania em dezenas de países, macfarlane-barrow mostra-se optimista: “trabalhamos uma escola de cada vez. temos uma lista de espera. e vamos tentando reunir fundos para ir eliminando uma escola de cada vez dessa lista”.