não tem o sangue quente de uma jennifer lopez ou o ar curvilíneo e de múltiplas sugestões sensuais de uma scarlett johansson. falta-lhe também a ginga ou o ar de seguidora do hip-hop que muitas actrizes cultivam. e mesmo quando se pensa em alguém parecido com ela, como outra ruiva famosa de hollywood, a já veterana julianne moore, à partida sai a perder na comparação.
mas, mesmo com a soma de todos estes défices, jessica chastain tomou de assalto o grande ecrã norte-americano e, por isso, também as salas de cinema de todo o mundo. falta apenas falar de outra desvantagem: já vai a meio dos 30 – o que é relativamente tarde para começar – e é discreta no trato e simples nos modos. nada de muito espampanante e hollywoodesco, portanto.
seja como for, é capaz de estar à vontade na pele de uma agente da cia em início de carreira que tem a tarefa gigantesca de caçar osama bin laden, o inimigo número um dos eua desde os tempos de clinton e o autor dos maiores atentados terroristas em solo americano (o 11 de setembro de 2001). mas também desempenha à-vontade o papel de senhora empertigada do início do século xx (em as serviçais), a mãe de família dedicada em a árvore da vida ou uma baixista de uma banda punk (em mamã, com estreia marcada para este ano).
e o que tem esta revoada de filmes em comum? jessica interpreta neles papéis principais, e foi escolhida para todos eles num espaço de pouco mais de um ano. em 2011, integrou o elenco de cinco filmes, e a maior parte deles estava em exibição em simultâneo.
o segredo? um sexto (ou sétimo) sentido para agarrar as oportunidades quando elas apareceram. e uma dose de talento que se soma a uma beleza estranha para os tempos que correm, algo que se situa mais nos quadros dos pintores pré-rafaelitas da inglaterra do século xix. além destes estranhos méritos, jessica é dona de uma grande simplicidade. depois do papel de fôlego em 00:30 a hora negra (o tal em que ela é maya, jovem agente da cia que consegue caçar bin laden), filme que está entupido de nomeações para os óscares – entre as quais a dela própria, para melhor actriz –, a celebrar no próximo dia 24, jessica venceu o globo de ouro. no discurso da praxe, durante a cerimónia, a actriz agradeceu à avó toda a confiança que sempre depositara nela. em lágrimas, como também manda a praxe…
dar o corpo à polémica
se o seu nome já era conhecido mas ainda poucos o retinham sem uma busca aos elencos dos filmes no site especializado imdb, com 00:30 a hora negra jessica chastain passou a ser reconhecida de cor e salteado. o filme de kathryn bigelow – que revisitou a ‘guerra contra o terrorismo’ dos eua no início do século xxi, depois de se ter debruçado sobre a embrulhada iraquiana em estado de guerra – ainda não tinha estreado e já estava envolto em inúmeras polémicas.
primeiro era a suposta informação privilegiada a que a realizadora tinha tido acesso – é uma apoiante confessa de obama – para revelar tantos detalhes sobre o agente da cia que tinha persistido na procura de bin laden, quando o próprio presidente já havia desistido. ‘o agente’, neste caso, é, tal como no filme, uma agente, cuja identidade não foi revelada, apesar de todo o bruá em torno do filme. mas será que a realizadora conheceu pessoalmente alguém que devia estar encoberto pelo segredo de estado?
depois, foi a questão da campanha presidencial para a reeleição de obama. ao estrear um filme sobre um facto real, bigelow estaria a dar uma ajudinha ao presidente, tendo em conta que a captura e a execução de bin laden ficaram bem no currículo de obama.
mas havia mais: bigelow expõe, sem filtros, nas cenas iniciais do filme, os métodos de tortura para arrancar confissões aos suspeitos detidos em guantánamo, e pôs o dedo na ferida. de qualquer modo, nada bakos, uma ex-agente infiltrada da cia que viu o filme, disse à revista pacific standard que 00:30 a hora negra não retrata fielmente o trabalho dos membros da agência norte-americana: «a história que o filme conta, em termos da escala de tempo ou do tipo de esforço humano que retrata pode levar-nos a alguns enganos acerca do modo como o nosso sistema de segurança nacional funciona realmente». e não especifica mais sobre o assunto, desculpando a produção pelo facto de ser, antes de mais, uma obra de ficção.
uma dança com al pacino
alheia a estes problemas, jessica chastain até pode agradecer a publicidade em torno do filme. ela foi a principal beneficiada. e até agora não se pronunciou sobre as quezílias levantadas por kathryn bigelow. mas também não tem tempo para isso. enquanto promovia este filme, voltava aos palcos da broadway para protagonizar uma peça. foi, de resto, nestes palcos emblemáticos que a sua carreira – até então praticamente limitada a séries televisivas – se lançou de vez, pela mão de um gigante destas andanças, al pacino. o produtor da peça em que chastain participava na altura mencionou-a a pacino, que precisava de alguém com um ar ‘etéreo’ e fora deste tempo para a sua versão cinematográfica de salomé, de oscar wilde. pacino entrou a matar: «quero ver como danças». e foi aí que começou o conto de fadas – uma dança, sem fundo musical, com um actor que dispensa apresentações.
jessica entrou também noutra adaptação literária ao cinema, coriolano, a partir de shakespeare, com ralph fiennes, o actor que a puxou para as artes da representação, desde que, ainda uma anónima estudante na sua califórnia natal (onde nasceu em 1977) viu o seu desempenho em o paciente inglês. contracenar com ele foi mais um sonho realizado: «estar numa sala com ele e com a vanessa redgrave a interpretarem shakespeare ensinou-me imenso», disse ela ao guardian. mas não lhe declarou a sua enorme admiração. «fiquei muito tímida. mas de certeza que ele a percebeu de algum modo».
o encontro já é distante, e ainda nem passou assim tanto tempo. além de ter sido a salomé de al pacino, em 2011 jessica esteve presente em mais quatro filmes. no ano passado, foram outros quatro e este ano já tem três na agenda. em 2014 vem outro papel de fôlego, na adaptação cinematográfica de menina júlia, de strindberg – mais um papel principal.
quem não anda a dormir são as casas de moda e quejandas. a yves saint laurent confiou-lhe outro protagonismo, a de ser o rosto da campanha pelo perfume manifesto. jessica deu o corpo ao dito e encara o sucesso com a simplicidade de sempre, mas com determinação, e definiu o seu estilo ao guardian: «glamour fora de moda de hollywood».
ricardo.nabais@sol.pt
