O mecânico de Messi e o professor de Ronaldo

Ainda estavam muito longe de imaginar que se tornariam ídolos à escala global e já trilhavam, em latitudes diferentes, caminhos muito parecidos. Na rua íngreme do Caminho do Lombo, na freguesia funchalense de Santo António, Ilha da Madeira, ou nos pelados à margem da estrada no Bairro de las Heras, na cidade argentina de Rosário,…

hoje assumem-se como os protagonistas maiores dos duelos de titãs no santiago bernabéu e em camp nou (a 26 de fevereiro joga-se a segunda mão da meia-final da taça do rei em barcelona), com adeptos de todo o mundo de olhos postos no seu talento.

a rivalidade vai sendo alimentada jornada a jornada na busca de golos e ano após ano nas galas da fifa para a atribuição da bola de ouro ao melhor futebolista do ano.

já quando começaram a dar os primeiros pontapés na bola, a principal diferença entre ambos estava na altura: enquanto cristiano se destacava por ser o mais alto dos miúdos que apareciam aos sábados de manhã nos treinos das escolinhas do cf andorinha, lionel messi tinha a alcunha de ‘pulga’, por ser o mais franzino entre os rapazes da cancha de futebol de sete do newell’s old boys. o mesmo clube onde, uma época antes de messi entrar para os infantis (1994-95), maradona jogou uma temporada.

o despontar do talento

«o leo era tão pequenito que no newell’s poucos acreditaram que chegasse a ser futebolista profissional. eu não liguei nada a isso, porque vi que ele já estava um passo à frente dos restantes: tinha inteligência, drible curto, velocidade, domínio de bola… tal como hoje! o miúdo movimentava-se pelo campo, à procura da bola, e mal a dominava seguia para a baliza, fintando toda a gente. era inteligência em movimento…», conta ao sol ernesto vecchio, dono de uma oficina de automóveis na avenida 9 de julho, em rosário. vecchio dedicou quase três décadas da sua vida a treinar gratuitamente os miúdos do clube de rosário. rapazes de oito anos, como messi.

não foi preciso chegar ao fim do primeiro treino para o pequeno talento ser convocado para o jogo do fim-de-semana seguinte: «fomos jogar ao campo minúsculo do ‘torito’ [nome popular pelo qual é conhecido o clube nueva chicago, de buenos aires] e deixei-o no banco por precaução. ele ardia em febre antes do início do jogo, mas pediu-me para entrar ao intervalo, quando perdíamos por 1-0. entrou e marcou os dois golos com que demos a volta ao resultado, um deles num chapéu ao guarda-redes que deixou toda a gente espantada… não havia que o ensinar, mas sim deixá-lo jogar».

a mesma máxima foi seguida por francisco afonso, professor de educação física que se dedicou à comunidade da freguesia de santo antónio como um dos grandes impulsionadores da revitalização do futebol no fc andorinha. mais do que esse papel, hoje ele é reconhecido por ter sido o primeiro treinador de cristiano ronaldo, que aos sete anos se estreou no clube em que o pai – dinis aveiro – era roupeiro.

«como ele era um palmo mais alto que os colegas, decidi colocá-lo a defesa central, mas nos primeiros jogos vi logo que não valia a pena inventar. mal apanhava a bola, seguia com ela para a frente», recorda o homem que descobriu ronaldo.

«tinha uma técnica superior até à de rapazes muito mais velhos. mas, mais do que isso, via nele ambição e entusiasmo fora do comum. o que o levava a querer às vezes resolver tudo sozinho. fintava, marcava golos e queria a bola sempre… o rapaz era um sobredotado! eu limitava-me a dizer-lhe para soltar a bola para evitar as faltas mais duras. mesmo assim, só mais tarde percebi o diamante que tive nas mãos», confessa ao sol francisco, que na escola de santo antónio ainda chegou a dar aulas de educação física a uma das irmãs do futebolista e que nos escalões jovens do andorinha também treinou um primo de cr7, a quem chegou a vaticinar um percurso semelhante ao do melhor futebolista português.

«o nuno, que até chegou a treinar no manchester united e que depois disso esteve a jogar em frança, tecnicamente não era inferior ao cristiano. mas faltava-lhe uma série de outras coisas, que o primo sempre teve: força física, vontade de aprender, espírito competitivo fora do comum. desde miúdo que o cristiano vive para o futebol e tem como que uma obsessão para ser sempre o melhor. lembro-me que era muito brincalhão, mas ficava danado sempre que perdia ou que não podia jogar…».

reencontro com os craques

os destinos de messi e ronaldo voltaram a trilhar percursos similares assim que o futebol começou a tornar-se mais sério que as brincadeiras de infância. depois de passar pelo nacional da madeira, aos 12 anos cristiano ronaldo deixou o funchal para ir viver sozinho em lisboa e ingressar nas camadas jovens do sporting. por sua vez, messi saiu de rosário aos 11 anos para rumar a barcelona. foi um ano à experiência, depois de a sua família não encontrar um clube argentino que se prontificasse a pagar os tratamentos para debelarem o problema hormonal que o afectou em criança.

o que se seguiu daí em diante já faz parte dos mais recentes capítulos da história do futebol mundial. certo é que tanto em rosário como no funchal há quem guarde as memórias de como tudo começou. e mesmo com todas as mudanças que as suas fulgurantes carreiras implicaram, ronaldo e messi também não terão esquecido as origens e os técnicos que lhes deram as primeiras orientações dentro de um campo de futebol.

«voltei a encontrar o cristiano só mais uma vez. em 2008, quando recebeu a primeira bota de ouro [prémio para melhor marcador nas ligas europeias], numa cerimónia que se realizou aqui na madeira, tirei uma foto com ele. a vida é diferente agora, naturalmente. mais tarde vi uma entrevista dele em que disse que o primeiro treinador dele lhe ensinou uns truques…», revela francisco afonso.

ernesto vecchio recorda, com um carinho idêntico, que há um ano concretizou a oportunidade de rever lionel messi: «ele veio ao bar do irmão, aqui em rosário, e a notícia espalhou-se. era uma loucura de gente a tentar entrar para pedir autógrafos e fotos com ele. só entrei porque expliquei aos porteiros quem era. e lá dentro finalmente encontrei-me com ele, que, assim que me reconheceu, deu-me um beijo e um abraço. estivemos uns dez minutos a conversar e aí perguntei ao pai dele, olhando aquela multidão em redor: ‘há uns anos, imaginavas isto, jorge?’. ele respondeu que não, mas nem precisava de o fazer. quem imagina que ia sair daqui o melhor futebolista do mundo?».

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