Luís de Matos: ‘Há quem venda litros de ar e quilos de nada’

É ‘o’ mágico português. Evadiu-se de coletes-de-forças, adivinhou os números do totoloto, quase fez desaparecer o mosteiro de Alcobaça. Este ano, Luís de Matos assinala 25 anos a criar ilusões e recebe dois importantes prémios internacionais. A festa, promete o ilusionista, não será feita com uma celebração do ego.

qual o maior desafio que enfrentou nestes 25 anos?

o maior desafio é o da constante reinvenção. o ‘truque’ é simples: estar atento ao mundo que me rodeia e procurar transmitir através da minha arte a forma como o sinto. é nesse mundo em constante ebulição que encontro a inspiração para o que faço. procuro crescer com ele e surpreender os que permitem que com eles partilhe as minhas ilusões.

que truque lhe falta fazer?

isso seria como perguntar a um compositor qual a melodia que lhe falta criar ou a um pintor qual a tela que ainda não pintou. a ilusão que me falta conceber ou realizar é sempre aquela que, amanhã, a minha imaginação permitirá que concretize.

teve algum acidente grande?

alguns, mas nenhum de consequências irreversivelmente negativas. fundamentalmente tive dois acidentes na vida, um na pessoal e outro na profissional. na pessoal, foi um acidente de viação, com perda total da viatura, aos três dias de ter tirado a carta. esse dia foi espectacular. habitualmente, o ser humano perde a sua imortalidade aos 40 anos. eu perdi aos 21. a partir daí passei a viver cada um como se fosse o último. profissionalmente, em 1995, queimei-me durante os ensaios da ‘fuga da camisa de forças’ que realizei suspenso de uma corda em chamas sobre o solar dos leões, no jardim zoológico de lisboa, sob o olhar atento de treze famintos felinos. fui logo socorrido e decidi prosseguir a gravação. e tudo correu bem.

que balanço faz destes 25 anos?

incrivelmente positivo. pertenço a esse grupo de pessoas que faz o que gosta, como gosta, porque gosta e, ainda por cima, vivo disso. eu e a equipa de que falei e a quem sempre agradeço estar comigo.

como os vai assinalar?

sempre disse que não o quereria fazer numa formato auto-celebratório, com amigos famosos a dizer que sou espectacular e talentoso, num evento que se destinaria ao meu próprio ego. estou a pensar algo que será absolutamente diferente e, assim o desejo, inspirador nesta fase da vida dos portugueses.

há algum passe de magia que ainda o faça ficar nervoso?

todos! especialmente antes de um espectáculo, onde ficar nervoso é a única coisa que me acalma. os nervos são sinal de responsabilidade, recordam-me que respeito o palco que piso e o público que me concede o privilégio de assistir ao que faço.

vai receber um prémio da hollywood academy of magical arts e o golden grolla. o que representam para si?

são os dois muito especiais. e não posso deixar de os confundir com a persistência e trabalho que venho dedicando à arte que escolhi. em 2009 tive a ideia de organizar em portugal, no nosso estúdio33, em ansião, um congresso mundial de magia que reunisse os melhores à escala global. pensei que era importante partilhar com a actual e futuras gerações o trabalho, talento e criatividade daqueles que mudaram a história da magia e que continuam a fazê-lo. durante três anos consecutivos, em 2010, 2011 e 2012, 33 mentes brilhantes reunidas em ansião partilharam o seu melhor com o mundo da magia. durante três dias em cada edição, a sabedoria dos melhores foi transmitida em directo, em hd e com interacção constante, para 74 países. este prémio é de todos quantos me ajudaram a tornar realidade a essential magic conference. o golden grolla é um prémio de carreira, um dos mais prestigiados prémios italianos. entre os distinguidos figuram nomes como gina lollobrigida, marcello mastroianni e o mágico david blaine.

está em digressão com chaos. em que consiste?

é um one man show em que os outros oito artistas, a minha equipa, nos bastidores faz com que quem assiste leve para casa memórias mágicas e inesquecíveis. a temática gira em volta do efeito borboleta ou teoria do caos e ao longo de 90 minutos o impossível torna-se realidade.

como foi ser mágico em portugal nestes 25 anos?

25 anos de trabalho em que, mais do que abrir portas, tivemos que partir paredes. quando comecei ninguém se lembrava de ser mágico quando fosse grande. as minhas primeiras series de televisão passam hoje na rtp memória, recordando-me os tempos em que tudo era mais difícil porque não existiam exemplos anteriores ou, a existirem, não tinham deixado propriamente uma memória muito inovadora. ao longo destes anos, por cá, fizemos espectáculos em salas como o pavilhão atlântico, inaugurámos estádios de futebol, fizemos mais de 300 horas de televisão, organizámos festivais internacionais, andámos em digressão pelos quatro cantos do país e inovámos. abrimos portas como as dos teatros nacionais onde, para além de criar efeitos ao lado de grandes encenadores, conseguimos, pela primeira vez na história, ter em cena espectáculos de magia. e fizemos espectáculos nos cinco continentes, passámos por mais de 25 estações de televisão e continuam a chamar-nos. e cada minuto valeu a pena.

quais os seus ídolos na magia?

muitos. o mais conhecido, e que aprendi a admirar desde miúdo, chama-se paul daniels. durante 20 anos ocupou o prime-time da bbc, ao sábado à noite, e os seus programas foram vistos em mais de 30 países. hoje somos amigos e falamos por skype semana sim, semana não. digo com orgulho que paul daniels foi sempre o profissional que mais admirei.

acredita em magia ou, à semelhança de houdini, é um céptico?

sou convictamente céptico mas sempre mentalmente disponível. custa-me ver outros humanos como eu a serem enganados. custa-me ver que quem vende litros de ar e quilos de nada tem ainda uma elevadíssima percentagem de sucesso. mas sim, acredito na magia da nossa espécie e na capacidade de superação que caracteriza o ser humano.

rita.s.freire@sol.pt