até ao final do detalhado e exaustivo programa de ajustamento, em maio de 2014. a margem de actuação do governo português passou a ser mínima, metida no colete de forças dos compromissos assumidos perante a troika, e a capacidade de intervenção do presidente da república, já constitucionalmente reduzida, essa então passou a ser quase residual. no recente prefácio do livro roteiros vii, cavaco silva reconhece esse condicionamento ao referir que o memorando assumido «perante as instituições internacionais» «serve de referência para a acção dos poderes públicos, incluindo a magistratura presidencial».
é neste quadro que se tornam incomprensíveis as crescentes críticas ao pr, acusando-o de ausência da vida política, de omissão pelo silêncio ou de falta de acção. os que lhe vêm lançando tais críticas ou ainda não perceberam o preocupante filme que o país e eles próprios estão a viver. ou, então, têm a secreta mas infundada esperança de que o presidente seja um líder de oposição e um factor de desgaste do governo – se não mesmo o protagonista e fautor da sua queda. no caso de cavaco silva, bem podem esperar sentados.
mas se cavaco silva não hesita, por um lado, em se demarcar dos que «cedem à tentação da visibilidade fácil e da vaidade discreta», parece, por outro lado, conviver mal com esse seu apagamento forçado dos palcos públicos. e desdobra-se, nesse mesmo prefácio, em minuciosas referências à sua discreta actividade acompanhadas de inúmeros auto-elogios à sua pessoa. ele, «em devido tempo alertou os portugueses» para a situação, fez «mais de duas dezenas de reuniões com os parceiros sociais», manteve «dezenas de encontros com chefes de estado da ue», insiste «desde há muito que a crise da zona euro não se resolve apenas com austeridade», etc., etc. enfim, sabe, «como poucos», de todas estas questões devido à sua «experiência própria, de dez anos como primeiro-ministro e cinco anos como presidente».
elogios em boca própria nunca são recomendáveis. neste caso, tantos e em tão curto espaço fazem pensar que o pr está a atravessar um défice crítico na sua auto-estima.
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