Ricardo Santos: ‘O golfe tem mais adrenalina que o futebol’

Devoto de Nossa Senhora de Fátima, já foi até ao santuário de bicicleta para pagar uma promessa relacionada com o golfe. Diz ter muitas superstições, mas não revela quais, e o 13 é o seu número da sorte. A vitória que lhe mudou a carreira foi a 13 de Maio. Hoje, tem os melhores resultados…

nunca um português chegou tão longe nesta modalidade. vamos ter um mourinho ou um ronaldo do golfe?

é verdade que estou na melhor fase da minha carreira, agora se vou ser um mourinho ou um ronaldo no golfe, não sei. a vontade é essa e vou dar o meu melhor para poder ter a sorte de lá chegar. a única coisa que consigo controlar é o meu trabalho e dedicação. os resultados são sempre uma incógnita.

já recebeu a distinção de melhor estreante do circuito europeu.

é uma honra e deixa-me motivado para trabalhar. ter o meu nome naquele troféu ao lado dos nomes dos melhores jogadores do mundo tem um significado especial. vencer o open da madeira, no ano passado [foi o primeiro português dos últimos 20 anos a ganhar uma prova do european tour, a ‘primeira divisão’ da modalidade na europa] também foi um ponto alto da minha carreira.

como se prepara para um torneio?

quando estou em competição, terça-feira é o dia de reconhecimento do campo. na quarta, às vezes, jogamos o pro-am [competição entre amadores e profissionais]. caso contrário, pratico no driving range [campo de treino], mas não convém massacrar muito. há a rotina de bater bolas para mecanizar e ganhar o máximo de confiança. depois, há o jogo curto, que pratico mais nesse dia, o putt [jogo curto] e os shots à volta do green [área em volta do buraco]. isso é o mais importante no golfe e onde se ganha ou perde torneios. quinta, começa o torneio. chego ao campo uma hora e meia antes. faço uns putts compridos e curtos para ganhar a sensibilidade da velocidade do green. depois vou bater bolas no driving range durante 50 minutos, passando pelos tacos todos. daí regresso ao putting green [área de treino]. cinco ou dez minutos antes, vou para o ponto de partida.

tem algum amuleto ou superstição?

tenho vários, mas não digo quais. são rotinas e mudo-as. mas nunca tiro do saco a fotografia da minha filha. todos os jogadores têm superstições e coisas que arranjam aqui ou ali para não pensar noutras coisas.

pratica há anos no campo victoria, em vilamoura. e a sua filha de três anos, chama-se vitória. há alguma relação?

não tem nada a ver. pensámos em vitória e francisca. escolhemos vitória porque é um nome forte, português e não é muito comum. tem uma carga positiva.

também é devoto de nossa senhora de fátima. até fez uma promessa.

sim, quando me tornei profissional, prometi que quando ganhasse o cartão para o european tour, iria de bicicleta de vilamoura a fátima. fui no final de 2011. lá, fiz outra promessa: iria novamente quando ganhasse um torneio. tive a felicidade de ganhar na madeira. e foi a 13 de maio.

é curioso.

é engraçado. era dia 13, comecei com 13 pancadas abaixo do par, e no buraco 13 passei para a frente. no ano passado fui outra vez a fátima.

começou a jogar aos nove anos. é uma paixão de infância ou houve alguma influência que o trouxe para o golfe?

na altura, tive influência do meu tio josé carlos santos, que actualmente é profissional de golfe e ensina. ele trabalhava nas escolas de vilamoura, que foi onde comecei e onde hoje continuo. o meu irmão mais velho tinha começado uns meses antes e agora também é profissional. eu fui atrás. claro que nas primeiras vezes não é muito fácil, quando acertamos na bola já é uma vitória. mas talvez tenha sido isso que me motivou.

é isso que o apaixona?

sim. a mim e a qualquer jogador de golfe, porque nenhuma pancada é igual. jogo há 21 anos e todos os shots são diferentes. às vezes vejo amadores – e passou-se comigo também – que jogam 17 buracos mal, mas jogam bem no último e saem do campo todos contentes. é essa situação que nos motiva para a próxima.

o golfe é um desporto incompreendido? quem pratica é quase viciado. mas também há quem ache que é o desporto mais entediante que existe.

acho que esse aspecto tem melhorado bastante nos últimos anos, porque se tem sensibilizado mais as pessoas. claro que ainda há muito trabalho a fazer. há quem pense que é um desporto que não tem adrenalina nenhuma, nem cansaço. e tem. bastante. tem mais do que um jogo de futebol, que é em equipa e há um desgaste rápido. num jogo de golfe, o desgaste é lento porque é muito mental e demora quatro ou cinco horas. não vou dizer que é o desporto que cansa mais, mas não conheço outro que tenha tanto desgaste mental.

talvez seja difícil a quem está de fora encontrar essa adrenalina no golfe.

há muitos casos de jogadores que, como amadores, são muito bons. e depois passam a profissionais, onde dependem só de si próprios, e acabam a carreira. quando somos amadores, não temos de provar nada. como profissionais, a competição é diferente. por isso é que se diz que a transição de amador para profissional é bastante agressiva e há que ter uma boa equipa por trás. ser competitivo também é importante. quem não fôr, não tem sucesso. sem o prazer e a adrenalina de querer ganhar, é difícil.

como se concentra antes de cada tacada?

em cada shot, a minha rotina de concentração é ver o vento, falar com o caddie sobre as distâncias e o taco que vamos usar. visualizo o shot, faço dois swings de prática para ter a sensibilidade e visualizar a pancada. depois é focar-me no alvo e acreditar no shot que visualizei. às vezes sai bem, outras não. o desporto é mesmo isso. quando corre bem, é mais fácil lidar com a parte psicológica. quando corre menos bem, tenho de ter calma e focar-me no meu trabalho, que é a única coisa que controlamos. isso e a dedicação que temos em cada dia.

a meteorologia e a sorte também influenciam o jogo?

sem dúvida. não há desporto nenhum em que se consiga ter sucesso sem ter sorte. mas temos de trabalhar, porque essa sorte também se constrói. quando temos azar, temos de saber aceitar e continuar, porque faz parte.

já teve alguma situação insólita nos vários países por onde tem passado?

a situação mais comum é as pessoas perguntarem-me de onde sou e, quando digo que sou de portugal, muitas não sabem onde fica. sabem onde é a espanha e tenho de explicar que é o país ao lado, ainda que cada vez mais conheçam portugal. temos o cristiano ronaldo e o mourinho, que correm o mundo inteiro e toda a gente sabe que são portugueses. talvez seja falta de cultura.

temos um destino de golfe bem conotado, mas sem muitos nomes sonantes na modalidade.

tendo em conta a nossa população, não podemos comparar-nos com a espanha ou a suécia, ainda que também haja países do tamanho do nosso, ou mais pequenos, com jogadores fortes. mas nos últimos anos tem-se melhorado e, no futuro, vamos ter mais jogadores no tour.

o facto de estar a conseguir bons resultados será uma influência para haver mais praticantes portugueses?

sim. assim dá para os jovens acreditarem neles próprios. o nosso mal é não acreditarmos no nosso valor e nas nossas capacidades. temos sempre o pensamento de que somos pequeninos. mas não. somos grandes. não precisamos de ter 5.000 jogadores e nenhum deles dar nas vistas. se tivermos 100, todos muito bons…

se não fosse golfista, o que teria sido?

na adolescência, as minhas paixões sempre foram os cavalos e os carros. mas como comecei aos nove anos e tive algum sucesso logo aos 12, quando fui representar portugal pela primeira vez e fiz 13 anos num torneio…

o 13, outra vez…

pois… acho que nunca me passou pela cabeça fazer outra coisa que não na área do golfe. sempre quis ser jogador do european tour. mas caso as coisas corressem mal, se não conseguisse alcançar, ou se deixar de poder jogar, a minha vida será sempre nesta área, por exemplo no ensino. também sempre gostei dos carros e de rally, talvez pela adrenalina. e era uma das coisas que gostava de experimentar. os cavalos também me fascinam, por serem animais bastante nobres.

seria sempre uma carreira ligada ao desporto, portanto.

na escola não conclui o 12.º ano. e, ao contrário da maior parte dos alunos, a matemática era a disciplina de que mais gostava. não estudava porque não precisava. fazia um exercício ou dois porque era o desafio de conseguir resolver o problema. mas nas disciplinas em que tinha de estudar e decorar, ao fim de uma semana, se me perguntassem, já não sabia o que tinha estudado.

há tempo para actividades fora do golfe?

há, mais quando estou em portugal. gosto de andar a cavalo, jogar snooker, conviver, ir ao cinema e estar com a família. o que mais me custa é estar longe da família e amigos.quando passo muito tempo fora, tenho saudades. é normal.

ana.serafim@sol.pt