para isso foi preciso um jornalista deixar de o ser e um publicitário vender a quota que tinha na sua agência. hoje jerónimo pimentel, tio, e manuel villas boas, sobrinho, são as caras do renovado morgadio da calçada.
há 16 gerações na família, a herdade sempre fez parte da história do douro e, particularmente, de provezende. foi à sua volta que se começou a delinear a aldeia e, já no século xix, foi um dos grandes núcleos de combate à filoxera: “descobrimos nos arquivos umas seringas de metro e meio de altura usadas para injectar nas raízes das vinhas os produtos químicos porque se julgava, na altura, que era a melhor maneira de matar o insecto”, lembra jerónimo.
foi ele quem reuniu os arquivos da família, num total de mais de 2.000 documentos – o mais antigo de 1515 – que hoje estão no arquivo municipal de vila real. “tem tudo, desde escrituras, cartas, vendas, compras, questões em tribunal, uma boa parte genealógica, mas também receitas de cozinha, receitas para tratamento das vinhas e até descobrimos uma receita de sabonetes feitos à base de vinho do porto e de azeite. nós recuperámos essa receita e estamos a reproduzir os sabonetes de forma artesanal”, adianta manuel.
é aliás no vinho que a casa tem o seu coração. para começar, o morgadio tem cinco hectares numa única superfície plana, “enquanto o douro é feito todo de socalcos, aquela zona é o planalto de sabrosa, uma zona muito rica para brancos e uma vinha completamente invulgar, são quase cinco campos de futebol nivelados, murados e que toda a aldeia, por sua vez, também circula à volta da casa e da vinha”, realçam os herdeiros.
além dessa vinha que tem 100 anos, a família conserva ainda mais dois talhões, um com 40 anos e outro com 25. apesar de a casa sempre ter tido o seu próprio vinho e vender o excedente das uvas a granel, a entrada de dirk nieport para a ‘família’ veio fazer o upgrade dos vinhos da calçada.
“nós queríamos tanto aproximarmo-nos do dirk como ele de nós. hoje ele tem a chave da casa e entra quando quer”, adianta jerónimo. já manuel teve o cuidado de se dedicar ao rótulos das garrafas, ainda estava na sua agência de publicidade: “as garrafas de vinho do porto têm um esquisso do michel toussaint, um grande amigo nosso, e os vinhos de mesa um esquisso do siza vieira”.
quem os visita encontra uma casa que mantém a tradição, mas com laivos contemporâneos. “é uma casa do século xvii, de 1680, de grandes proporções, em que se mantém as pinturas, o mobiliário e todo o ambiente do tempo áureo do douro. quem nos visita encontra uma quinta que trabalha, que faz vinho, que tem os seus ritmos. os turistas vão buscar o pão à padaria onde nós sempre fomos. dão as suas voltas a cavalo, como também sempre se fez naquela casa…”.
da infância, jerónimo e manuel têm recordações diferentes, mas igualmente marcantes. “esta quinta sempre foi um grande espaço de liberdade, em que não era controlado e só chamado para vir almoçar e jantar com um enorme badalo que soava pela quinta toda”, adianta o ex-jornalista do expresso, público e sol. já manuel, recorda: “na minha geração desapareceu o badalo mas começou o chamarem-me de menino. ainda hoje sou um marmanjão de 46 anos e continuo a ser o ‘menino manelzinho. oh menino, oh menino!’”.