Retiradas

Dez anos depois da invasão do Iraque, americanos e ingleses preparam-se para abandonar o Afeganistão. No Iraque deixaram uma aparência de ordem com o Governo de Maliki sem oposição armada visível, embora o país continue fragmentado e dividido e o terror bombista se vá repetindo.

mas no afeganistão, as coisas são e vão ser piores: o anúncio da retirada feita pelo presidente obama criou uma dinâmica de vitória dos talibãs e a compreensível incerteza e derrotismo entre os governamentais. o antigo comandante da isaf, o general stanley mcchrystal, caído em desgraça depois das críticas em privado à administração, tinha razão.

repetem-se os atentados de soldados afegãos contra os seus instrutores norte-americanos e não faltarão candidatos a mudar de bordo. também não será difícil augurar o que irá passar-se nos próximos meses à medida que o fim da presença aliada se aproxima: jogadas de oportunidade; aumento do terrorismo; represálias contra os ’colaboracionistas’.

além disso há questões logísticas e militares complexas: o contingente de tropas inglesas tem, no afeganistão, equipamento no valor de 4.000 milhões de libras, incluindo três mil blindados e material sofisticado de última geração, quer de armas quer de comunicações. deixá-lo para trás, para um exército afegão que não se sabe quanto durará, ou transportá-lo para carachi, através das áreas inseguras do paquistão, não parece muito aconselhável, tanto mais que os talibãs já informaram que não vão deixar em paz os comboios logísticos da nato em retirada.

os comandantes militares americanos e ingleses não estão felizes com este desfecho que, sob o manto piedoso de transmissão de responsabilidades ao governo karzai, esconde uma derrota. já fora assim com baçorá, quando o contingente inglês de lá retirou. ao menos os russos, em 1989, deixaram o governo de nagibullah numa situação que durou ainda três anos…

como rota de saída e retirada os anglo-saxónicos vão recorrer, para passagem, às duas repúblicas ex-soviéticas, usbequistão e cazaquistão, governadas por islam karimov e nursultan nazarbaiev, dois dirigentes que não são modelos de democracia e boas práticas governantes. mas, talvez por isso, consigam nesta ocasião garantir uma linha de retirada mais segura.

os americanos ainda se lembrarão da queda de saigão, vai para 40 anos. quanto aos ingleses a sua saída do afeganistão, em 1839, ficou célebre pelo testemunho de um médico militar, o dr. william brydon, o único sobrevivente entre os milhares de expedicionários britânicos que então partiram de cabul.

com sentido macabro e de propaganda, os afegãos pouparam-no propositadamente, para que alguém contasse a história do que acontecia aos que os invadiam. pelos vistos, a lição foi esquecida.