Golfe: O swing do Algarve

Quando, no pós-25 de Abril, um operador turístico estrangeiro lançou pacotes de golfe no Inverno, com hotéis e campos do Algarve a preços competitivos, estava dada a primeira tacada de uma indústria que hoje gera receitas de 100 milhões de euros, 70% só na região algarvia. Até aí, o golfe era um desporto secundário.

praticado desde 1890, estava reservado a ingleses expatriados, negociantes de vinho do porto. e os turistas-golfistas, sobretudo britânicos, só descobriram o algarve já o século xx ia a mais de meio.

na década de 70 «havia poucos campos no algarve», recorda andré jordan, 80 anos, ‘pai’ da quinta do lago e impulsionador do turismo de golfe em portugal.

«o campo do penina servia o hotel e era o que tinha mais jogadores estrangeiros. havia vale do lobo, vilamoura 1, hoje o old course, e palmares, que não tinha casas nem hotel, porque começaram o empreendimento pelo campo, mas com a revolução de 74 o projecto não evoluiu. depois apareceu a quinta do lago. mas os golfistas eram poucos e não havia golfe no inverno», conta. até que surgem novos campos, muitos desenhados por jogadores célebres. os courses algarvios ganham fama internacional. a venda de pacotes para este novo público cresce e traz ocupação às unidades hoteleiras.

nos anos 90, o golfe marca pontos quando é preciso aliviar vilamoura da sazonalidade fora da temporada de sol e mar. com os seus campos debaixo de neve, no inverno, os golfistas estrangeiros entregavam-se ao clima algarvio ??enquanto experimentavam diferentes circuitos, estimulando a economia local e a vida social.

ainda assim é, fazendo deste um produto estratégico do turismo nacional. quando as praias se esvaziam, entram em campo os greens. o grande volume de estrangeiros – são 95% da procura – chega em março, abril, setembro e outubro. cerca de 50% são ingleses e irlandeses. mas vêm também da alemanha, holanda e escandinávia.

«neste momento, o inverno no algarve é golfe e pouco mais», resume pedro lopes, administrador do pestana, dono de dez hotéis e cinco campos de golfe na região. «é praticamente o único fluxo contínuo de turistas na época média e baixa. 80% da receita de golfe é gerada fora da época de sol e praia». e pesa 50% nos ganhos de inverno na hotelaria, numa altura em que os operadores internacionais deixaram de incluir o algarve na rota do turismo sénior, diz. nas unidades algarvias do grupo, entre novembro e março, o turismo de golfe garante 80% da ocupação.

para pedro lopes, face ao excesso de oferta de alojamento, os golfistas estrangeiros não serão suficientes para encher os hotéis da região. mas mais pode ser feito. «há-de ser sempre muito difícil vender o algarve em dezembro e janeiro, devido ao natal e ao frio e chuva. mas pode melhorar-se bastante entre fevereiro e abril, outubro e parte de novembro», esticando a época alta. e atenuando o efeito sazonal, salvando milhões em investimentos e criando emprego.

«mesmo que os campos estejam todos ocupados, o número de voltas [percurso do jogador num campo] não dá para abranger mais do que um terço da hotelaria do algarve» até porque muitos estrangeiros têm casa própria no local, concorda o presidente da direcção do conselho nacional da indústria do golfe (cnig) e ceo de vale do lobo, diogo gaspar ferreira. mas, «se não fosse o golfe, provavelmente, os hotéis estariam fechados seis meses».

no olho do furacão

neste inverno, 48% das unidades hoteleiras da região fecharam entre um a três meses. as dificuldades financeiras e insolvências avolumam-se num sector também massacrado pelo endividamento. o golfe não passa ao lado desta realidade.

«estamos no olho do furacão. uma companhia aérea ou um operador de golfe que queira começar a ter operações para o algarve, vê que há cada vez mais hotéis fechados no inverno e, com eles, restaurantes, lojas, rent-a-car e outras infraestruturas de apoio, e pode começar a sentir maior resistência», adverte eduardo abreu, partner da neoturis, consultora especializada em turismo. «há um definhar do destino que é preciso inverter», conclui.

«na década de 90 havia menos camas, os golfistas conseguiam dar resposta à ocupação de hotéis. se há mais camas e se, durante um ou dois anos, por causa da crise económica, as companhias aéreas começam a retirar voos, entra-se num ciclo vicioso. pode levar a que o algarve tenha problemas de ocupação e de procura entre outubro e maio. é aí que o golfe pode fazer com que as taxas de ocupação não desçam para níveis que, para o hoteleiro, seja melhor fechar o hotel do que tê-lo a funcionar», continua. e se nos complexos de vilamoura, vale de lobo e quinta do lago a clientela já está fidelizada, aos campos fora deste eixo pode ser difícil resistir, sobretudo se não tiverem hotéis ou imobiliária turística.

«quem é responsável por resolver esse problema é a oferta e não a procura. não posso dizer: ‘venham os clientes que eu abro’. não. temos de garantir ao mercado que vamos criar as condições de atractividade e diferenciação para que venham», adverte antónio trindade, presidente do grupo porto bay, com hotéis no algarve, madeira e brasil.

destino topo de gama

um estudo de 2012 da consultora kpmg concluiu que os destinos de golfe mais populares no velho continente continuam a ser portugal e espanha. e, pelo segundo ano consecutivo, o algarve foi considerado o destino de golfe da europa continental com melhor relação preço/benefício pelos leitores da revista today’s golfer, que chega a 200 mil golfistas britânicos. os seus empreendimentos foram dos mais premiados da publicação. ganharam seis distinções, incluindo melhor campo (oceânico old course), e melhor hotel/resort (vale do lobo). «o algarve é uma escócia mais quente», elogia robert trent jones jr., conceituado arquitecto de campos.

entre hoteleiros e entidades turísticas, mas também para operadores especializados e praticantes, é unânime que o algarve continua a ter argumentos de peso. o clima, a gastronomia, a segurança, a proximidade e qualidade do alojamento e dos campos, a moeda comum jogam a seu favor. mas também assumem que, assim sendo, poderia conquistar mais turistas de golfe. dos 62,9 milhões de golfistas que há no mundo, 7,9 milhões estão na europa, contabiliza a sports marketing survey. desses, 6,3 milhões são dos países que mais enviam praticantes para o algarve. e a maioria viaja pelo menos uma vez por ano para jogar.

vontade para tê-los no algarve não falta. mas sopram ventos contrários. o maior problema? escassez de ligações aéreas, clama o sector.

«quando no resto da europa não se pode jogar por causa do frio, o produto apetecido está a duas horas e meia de voo. mas é preciso que os voos existam e que o turista que está num aeroporto inglês ou alemão saiba que daí a pouco tempo está no destino, sem ter de fazer escalas», frisa o presidente do turismo do algarve, desidério silva. rotas para a alemanha ? e escandinávia são as mais escassas. «os nossos resultados estão bons, mas podiam ser fantásticos se houvesse mais voos», aponta patrik berglung, director de um operador sueco. em resposta, o turismo de portugal já anunciou que, no próximo inverno, vai lançar um programa para travar a sazonalidade galopante no algarve turístico. e passará muito por estimular a acessibilidade aérea. mas outras tacadas serão necessárias.

uma dificuldade chamada iva

a subida de 6% para 23% do iva no golfe também é um problema. em 2011, a indústria preparava-se para recuperar, depois de quebras em 2009 e 2010 – as voltas (circuito completo de 9 ou 18 buracos) recuaram 10% e 8% respectivamente, os preços médios reduziram 25% e houve prejuízos – devido à conjuntura económica. «em 2012 o estado lança essa decisão dramática e disparatada, que veio arruinar durante mais um ano e meio o sector», lamenta gaspar ferreira. «não perdemos jogadores. perdemos resultados», assegura, culpando o imposto. e salienta que, em 2012, a diminuição de voltas não chegou a 1%. já as receitas estarão entre «10% a 15% abaixo face a 2008, o melhor ano», somando 97 milhões de euros.

além disso, mesmo que alguns projectos de golfe não fossem rentáveis, eram ‘sustentados’ pela venda de imobiliário – antes, os campos eram construídos para ajudar a vender casas – que também já teve melhores dias. «é sabido que vários campos de golfe estão em insolvência», lamenta.

ainda assim, os resultados não desanimaram as empresas de golfe, que teriam crescido, não fosse o iva. o ano passado teve os melhores março (124 mil voltas) e setembro (cem mil) desde 2008, de acordo com o turismo do algarve. para o pestana, garante pedro lopes, o ano passado «foi razoável», ainda que tenha tido de absorver parte do iva, não o reflectindo totalmente nos preços, para não perder competitividade. e a procura «praticamente não teve quebra».

«grande parte do país não entende o que é o golfe no algarve. acha-se que é para ricos. mas é exportação», argumenta chris stilwell, ceo da oceânico golf. com oito campos no algarve, também teve «um ligeiro aumento» no número de voltas. «se não fosse o iva, eu estaria muito satisfeito», assume, salientando que «se se analisar o preço da compra, não paga o investimento».

e há ainda a concorrência de outros destinos. «de países como a turquia, que vêem o mercado do golfe correctamente, como exportação, e têm incentivos fortes do estado para promoção e óptimas condições fiscais, como o iva a 0%», concorda antónio pinto coelho, administrador do palmares, campo em lagos. renovado em 2011, as sete distinções que já mereceu, trouxeram mais 50% das voltas e preços 10% mais caros.

além de espanha, com 400 campos – que somam dez milhões de voltas por ano, com iva a 21% – tunísia ou marrocos estão a posicionar-se. ainda que portugal queira estar noutro campeonato.

afinar estratégias

«há uns anos decidiu-se que portugal devia posicionar-se num turismo de nível superior. em golfe, somos o segundo país do mundo mais caro em termos de preço médio, a seguir ao dubai. e pretendemos atingir uma clientela com poder de compra. nesse caso, temos de oferecer serviços. mas só podemos oferecer serviços se as empresas proprietárias de campos de golfe ganharem dinheiro para continuar a investir», defende o presidente do cnig. «quando nos estragam a competitividade, com o aumento do iva, só podemos compensar com menos serviço. é um paradoxo porque assim não temos margens para oferecer qualidade». por isso, o sector pede que se trace uma estratégia que clarifique o posicionamento e aumente a promoção lá fora.

«passaram milhões de golfistas pelos nossos campos do quais não temos registo nem como comunicar com eles. devíamos criar um cartão de fidelização – como têm as companhias de aviação e as redes hoteleiras, com todos os campos do país – que permitisse acumular pontos», propõe andré jordan, que também critica a «falta de eventos culturais e artísticos» que animem o destino.

desenvolver novos produtos turísticos que complementem a oferta e combatam a sazonalidade, como turismo de natureza ou de saúde ou congressos também serão bons contributos. a par, captar mais portugueses para a modalidade.

de resto, o sucesso do turismo de golfe estará também no swing de quem joga, ou seja, no movimento do taco antes de bater a bola. «o golfista vem uma semana e cada dia que passa joga melhor. no último dia está a jogar razoavelmente bem, o que lhe faz ter vontade de voltar. esse é o truque», resume jordan. ?

ana.serafim@sol.pt