tal como o vinho, também é possível aprender a conhecer – e a apreciar – vários tipos de chocolate. há um método. «e é muito parecido, com a diferença de que é sólido e não líquido, ou seja, é mais difícil movê-lo na boca e libertar os seus aromas», explica vanessa lemoine. num workshop sobre como degustar esta doce tentação, integrado na rota das estrelas – evento gastronómico realizado recentemente no hotel the cliff bay, funchal – esta especialista da valrhona, conceituada fabricante francesa de chocolate, explicou a prova passo a passo.
primeiro, olhar. o brilho, a textura e a cor dão pistas sobre a quantidade e as características do cacau usado. antes de pôr na boca, cheirar, e estar atento ao som quando se parte ou trinca. de seguida, provar, mas não sem antes de dividir cada chocolate em pequenos pedaços para que possa repetir. as principais famílias de aromas têm diferentes momentos para se revelar. e pode precisar de várias tentativas até as detectar todas. além disso, não convém ter uma grande quantidade na boca. dessa forma será mais fácil que a manteiga de cacau usada no fabrico derreta, libertando aroma e sabor. mastigue, aguarde que o chocolate que está a provar amoleça e, sem engolir, deixe-o algum tempo na língua. é aí que acontece a ‘primeira’ prova.
três momentos, muitos aromas
dependendo da origem do cacau, o chocolate pode ser mais amargo – o primeiro usado nesta prova foi o alpaco, proveniente do equador – e isso sente-se sobretudo no fundo da língua. se assim for, quanto mais se come, mais se fica com a sensação de língua seca, devido aos polifenóis existentes. já outro dos chocolates testados, o macaé, do brasil, era mais ácido. como distinguir? a acidez é captada nos dois lados da língua e aumenta logo a salivação.
para continuar a prova, prepare… o nariz. talvez precise de mais um pedaço. repita o processo, amolecendo o chocolate na boca. de seguida, aproxime-o do palato. «é encostar a língua ao céu-da-boca». «e é importante manter a boca fechada porque o aroma é composto por moléculas voláteis», lembra vanessa lemoine. faça várias inspirações. «isso é muito importante porque 90% da prova é feita com o nariz. a boca é uma ferramenta para mastigar e derreter, mas os receptores estão no nariz. quando se respira fundo, tem de se estar concentrado no que sente o nariz para tentar encontrar sensações e aromas que estão na nossa memória», continua. «quando fazemos provas de vinho, os aromas são muito voláteis e usa-se o nariz mesmo inconscientemente. com o chocolate, se não se estiver consciente disso, perde-se muito e não se tem tanto prazer».
de início, deverá estar atento ao que os especialistas denominam como aromas primários ou head aromas. podem ser frutados – frutos como ananás, alperce ou ameixa equilibram a acidez, mas os vermelhos, como as cerejas, acentuam-na – ou florais. e são muito voláteis, pelo que é fácil passarem despercebidos.
a meio sentem-se os body aromas, mais quentes, lembrando amêndoas torradas ou especiarias. as notas finais podem remeter para madeira ou terra. e para que possa saborear todos, o ideal é usar um pouco de chocolate para cada fase desta viagem sensorial, em vez de tentar descobrir tudo ao mesmo tempo, aconselha a ‘professora’.
se seguiu a receita à risca e não conseguiu, não desanime. esta especialista está há oito anos na valrhona a ensinar leigos, mas também chocolateiros e chefs a conhecer o chocolate. e assegura que demora cerca de um ano a dominar a degustação. «depende das nossas memórias e histórias e é normal que ao início não consigamos encontrar as mesmas palavras para descrever as mesmas sensações. o meu trabalho é treinar as pessoas a fazê-lo».
normalmente, as provas podem incluir cinco a sete chocolates diferentes. as diferenças dependem do método de plantação, fermentação e secagem que definem os aromas e a qualidade do produto final. entre cada chocolate, os experts aconselham a beber água, ou a mastigar um pouco de pão ou de maçã, para limpar o palato e eliminar a sensação de adstringência e de amargo.
ao contrário do que acontece com o vinho, estas degustações ainda não são frequentes. «o vinho é um projecto dos países desenvolvidos onde há muitos estudos e já se sabe muito do processo. com o chocolate, as plantações estão em países muito diferentes e nem todos são assim tão desenvolvidos. por isso também não há tantas ferramentas para estudar. ainda há muito para descobrir e aprender», resume. mesmo assim, tranquiliza os apreciadores de chocolate.
«muita gente tem medo de não ser capaz porque sente que não sabe ou não consegue descrever o que está a saborear. mas é impossível cometer erros numa prova. provar, só por si, gera alguma sensação. e em momentos desses partilhamos, debatemos, trocamos impressões e essa é a riqueza da prova». l