fomos então pioneiros, com consciência plena de que ganhar espaço e poder fora da europa, pela conquista e pelo comércio, era, a médio prazo a única forma de sermos independentes na península. contaram outros factores, desde o espírito de curiosidade, de querer conhecer, até à ideia de cruzada, até à necessidade de alimentar a população de um país de agricultura pobre.
como escreveu jorge borges de macedo, «esta proposta da ida a ceuta nasceu dentro de uma comunidade segura, senhora das suas possibilidades». os portugueses – ou os governantes portugueses desse tempo – não tinham democracia, nem jornais, nem televisão, nem união europeia. mas queriam saber, tinham ideais, estavam dispostos a arriscar e faziam verdadeiramente pela vida. e eram livres, na medida em que o reino de portugal era livre e, tendo-se libertado da ameaça castelhana (em castela, frança e inglaterra as lutas pela unidade política e religiosa iriam prolongar-se mais entre um século e século e meio) e unificado, estava pronto a fazer-se ao mar e expandir-se.
ao aproximarmo-nos do sexto centenário desta grande aventura portuguesa, não podemos, sem saudosismos ou romantismos, deixar de sentir o contraste entre a jovem nação corajosa e pioneira da casa de avis e a decadente e serôdia ‘jovem democracia’ europeia que festeja, para o ano, os quarenta anos.
é certo que a história é, por definição, um cemitério de grandezas caídas, de impérios perdidos, de construções magníficas em ruínas. tinham-no descoberto os autores dos primeiros livros da bíblia, quando na babilónia, daniel interpretou o sonho de nabucodonosor com a estátua do misterioso gigante. como os impérios antigos – babilónico, persa, macedónio, romano – foram crescendo e caindo, também os modernos se sucederam: os grandes dos áustrias, de frança, da grã-bretanha, dos estados unidos; os dos portugueses e holandeses, mais modestos, ultramarinos e comerciais.
nós fomos os primeiros e também os últimos europeus com impérios além-mar. com todos os erros, excessos e até crimes – vindos sobretudo da razão de estado – que arrastaram os impérios houve e ficou, também, muita coisa de que não temos que ter vergonha.
ficou uma língua e uma cultura, celebrada por dois grandes poetas, espalhadas por três oceanos, enraizada em países e cidades dos quatro continentes. o português de camões e de pessoa levado do atlântico ao índico e ao pacífico, em naus com velas e canhões, numa viagem em busca de cristãos e especiarias, com vitórias e naufrágios, capitães heróicos e governadores corruptos, o mais alto e o mais baixo juntos.
a história de portugal é uma história de ascensão e quedas, restauração e submissão, esperança e cativeiro.
estamos no fundo, é verdade. mas não será a primeira vez.