Mundo quer super-BCE

EUA, Espanha, França, FMI e até George Soros apelaram esta semana à Europa para abrandar a austeridade e usar o BCE como fonte de dinheiro da economia para estimular o crescimento. Alemães disseram «nein» e Bruxelas exigiu mais sacrifícios aos Estados-membro.

depois de se assumir como ‘o bombeiro’ da crise do euro, nos últimos três anos, alguns dos principais líderes europeus e mundiais acreditam que é no banco central europeu (bce) que está a única salvação da moeda única.

de mero guardião da inflação, a instituição de frankfurt passou a ser um dos órgãos mais poderosos do euro: já emprestou dinheiro ilimitado à banca salvando o sector da bancarrota, evitou novos resgates com a compra de dívida pública e uma simples frase do seu presidente, mario draghi, em meados do ano passado, foi suficiente para evitar o colapso da zona euro e cortar os juros dos países periféricos para metade.

com três anos de crise, dois de recessão, um desemprego galopante e a falência do modelo da austeridade pela austeridade na região, o apelo agora é para que o bce siga os restantes bancos centrais mundiais – como os dos eua, japão ou reino unido – e adopte medidas drásticas. ou seja, mudar os estatutos da instituição europeia para que possa imprimir dinheiro, inundando a economia com dinheiro barato, e assim estimular o investimento e o crescimento da economia.

luis.goncalves@sol.pt

eua enviam peso pesado

os apelos para um bce com um papel mais interventivo e como motor de uma política económica na zona euro assente mais no crescimento e com menor dose de austeridade foram, esta semana, sublinhados de forma explícita por vários líderes. dentro da europa, o primeiro-ministro espanhol, mariano rajoy, foi o mais directo: exigiu uma injecção de liquidez do bce na economia e que bruxelas use todos «os instrumentos disponíveis». já françois hollande, presidente francês, não usou directamente o nome do bce, mas pediu menos austeridade e novos estímulos à economia.

mas as pressões para um volte-face na austeridade estão a sentir-se além-fronteiras. o presidente norte-americano, barack obama, enviou ao velho continente, também esta semana, o seu secretário de estado do tesouro, jacob j. lew, para pressionar os líderes europeus a travar a austeridade e usar o bce para estimular o crescimento na zona euro – região que é a principal parceira comercial dos norte-americanos.

lew esteve em paris, berlim, frankfurt e bruxelas e tentou demonstrar que os eua estão a recuperar da crise mais depressa do que a europa, através de injecções de dinheiro da reserva federal norte-americana (fed) e apoios ao consumo privado. george soros, o investidor mais famoso do mundo, foi mais longe. pediu a saída da alemanha do euro, o lançamento dos eurobonds e salientou que a austeridade não funciona com todos os países a fazer o mesmo. mais discreta, christine lagarde, directora-geral do fundo monetário internacional (fmi), pediu que a europa se centre no crescimento e emprego, alertando para as tensões sociais nos países resgatados.

europa dá nega

os dois principais centros de decisão na europa, a alemanha e a comissão europeia, reagiram, porém, com um rotundo e directo não a estes apelos. o ministro das finanças, wolfgang schäuble, respondeu aos eua dizendo que não haverá mexidas no bce e que a austeridade e o crescimento se fazem ao mesmo tempo. já bruxelas, num documento preparatório para o eurogrupo de hoje em dublin, negou qualquer alívio nas restrições orçamentais e pediu mesmo medidas extras de austeridade a frança, itália e espanha e a sete outros estados-membro.

segundo os analistas, a ideia de o bce vir a seguir os passos de um fed ou banco central do japão são praticamente impossíveis num futuro próximo. para o bnp paribas, o apoio do banco central europeu ao crescimento na zona euro deverá ficar-se por uma nova descida de juros para 0% até ao final do ano – mas o barclays acredita que será só em 2014. já o royal bank of scotland (rbs) considera que frankfurt poderá lançar medidas como o alargamento de colaterais aceites para o financiamento de bancos pelo bce e dar luz verde a emissões de obrigações conjuntas de pequenas e médias empresas (pme). mais do que isso será pouco provável, sobretudo sem o projecto de união bancária completo, previsto apenas para 2015, pelo menos.

sozinho entre os seus pares

de facto, o bce é o único banco central das economias desenvolvidas que não usou a injecção directa de dinheiro na economia como forma de travar a recessão. frankfurt injectou um bilião de euros na banca, mas as verbas foram sobretudo usadas para recapitalização das instituições financeiras e não para dar crédito à economia, como é necessário.

por seu lado, os eua (país em que os estados federados se ajudam entre si) já asseguraram que vão dar dinheiro sem limite até a taxa de desemprego descer abaixo de 6,5% – está hoje nos 8%. já o japão quis ir mais longe e anunciou esta semana a maior intervenção do seu banco central de sempre – injectar 54 mil milhões de euros por mês na economia, durante dois anos, num total de um bilião de euros.

a realidade é que a europa está a perder terreno face aos seus principais concorrentes directos. a zona euro terá em 2013 o segundo ano consecutivo de recessão – inédito na sua história – com mais de metade dos estados-membro estagnados ou em contracção. o desemprego está num máximo histórico (12%) e existe o risco de a região fechar o ano com seis dos seus 17 países resgatados (se a eslovénia cair). enquanto isso, eua, japão e até o reino unido vão continuar a crescer em 2013 e 2014.