o fmi estimou, na semana passada, que a zona euro será a única região desenvolvida em recessão este ano e que é o elo fraco na economia mundial. é a prova que a solução da austeridade faliu?
prova que aplicar austeridade em todos os países da zona euro é impraticável. não é possível atingir o crescimento económico na região sem relançar a procura interna. isso só poderá acontecer se alguns países fizerem um esforço de consolidação orçamental, como os periféricos, enquanto os que detém melhores condições económicas avançarem para políticas expansionistas.
e existe vontade política para mudar o rumo da austeridade na união europeia (ue)?
não, mas a vontade política muda com muita rapidez. basta que haja eventos mais ou menos catastróficos, como um novo chipre ou a persistência de um baixo crescimento na alemanha, para serem tomadas medidas inimagináveis há cinco meses atrás. a situação vai agravar-se na europa e irá chegar o momento em que os líderes europeus vão perceber que este não pode ser o caminho. na alemanha, já foi criado um partido que defende a saída do país do euro.
isso é um cenário credível?
a alemanha nunca sairá sozinha do euro. há um grupo de estados, como a alemanha, finlândia, áustria ou holanda, que vai manter a união monetária e o euro. sem alteração de políticas, o cenário mais plausível será a saída de um país periférico do euro, que precipite o abandono de outros.
os números do fmi confirmam que quatro dos seis maiores mercados externos de portugal vão estar em recessão. as exportações serão a nova dor de cabeça do governo?
sim. o governo quando corrigiu a recessão deste ano de 1% para 2,3% fê-lo sobretudo pela deterioração do consumo privado e investimento, e apenas ligeiramente pela desaceleração das exportações. a queda nas vendas ao exterior poderá agravar ainda mais o cenário de recessão. estimo que a contracção do produto interno bruto (pib) em 2013 fique entre 2,5% e 3%.
houve excessiva dramatização do chumbo de medidas de cerca de 1,3 mil milhões de euros pelo tribunal constitucional (tc)?
discordei do chumbo do tc, porque significa um claro limite ao poder executivo de qualquer governo. a partir de agora não se pode cortar de maneira moderada nos salários e pensões. se a isto juntarmos os juros da dívida pública, então temos mais de 50% da despesa pública em que não podemos tocar.
acha que o oe2013 era justo na distribuição dos sacrifícios?
fui veemente contra o orçamento de 2012, porque incidia toda a austeridade sobre os funcionários públicos e pensionistas. porém, o acórdão, o orçamento e a situação em 2013 são muito distintos. primeiro, este ano houve uma subida de impostos generalizada que colocou também o sector privado a pagar parte da consolidação orçamental. o deslocamento da consolidação dos impostos indirectos (consumo) para os directos (rendimento) é também correcto, porque o irs é um imposto que promove mais a equidade. no final, aplicava ainda um corte, que considero moderado, nos salários e pensões. o chumbo do acórdão vai gerar desigualdades que o tc não prevê e que são muito graves.
porquê?
não podendo mexer em salários e pensões, o governo terá de mexer nas situações mais precárias da função pública. ou seja, contratados a prazo e jovens que, apesar de muito qualificados, já têm contrato individual de trabalho e, por isso, serão os primeiros a ir embora. o governo só podia actuar sobre salários e pensões através do preço ou volume. no oe, o governo queria ir pelo preço e reduzir salários. como foi inviabilizada, terá de ir pela quantidade.
a decisão do tc vai provocar então uma vaga de despedimentos e um disparo na taxa de desemprego?
a decisão do tc vai levar a um aumento do desemprego na função pública. os contratos a prazo saem, muitos vão para a mobilidade especial que agora ainda assegura 50% do salário, mas dentro de um ou dois anos estarão também no desemprego. numa economia que já tem o nível de desemprego como o nosso, prefiro ter mais emprego com menos salário do que o contrário.
e as prestações sociais?
vão muito além das pensões. a redução do subsídio de desemprego, complemento solidário de idosos, apoio a jovens, abono de família e outros apoios sociais serão os alvos.
onde falha a argumentação do tc?
quando diz que os trabalhadores públicos estão a suportar mais a consolidação do que o privado. é preciso lembrar que o sector privado está suportar o ónus do ajustamento com o desemprego. em fevereiro, tínhamos 700 mil desempregados registados no continente. destes, 13,3 mil são professores do ensino básico e secundário e 154 são quadros superiores da administração pública. ou seja, os desempregados oriundos do sector público são apenas 1,9%.
o governo tem margem para fazer cortes tão sensíveis como reduzir o subsídio de desemprego ou despedir na função pública?
o governo está num beco sem saída e já não há condições políticas para implementar o programa da troika. o país já não é governável com uma maioria do psd e cds, nem com qualquer mera maioria parlamentar. o executivo não tem apoio político suficiente para levar a cabo uma política como a actual, nem tem, provavelmente, a sabedoria necessária para escolher as medidas necessárias.
defende um governo de iniciativa presidencial?
só há duas opções: eleições ou um governo de iniciativa presidencial que tenha membros do ps, psd e cds. o país está numa situação de quase emergência nacional e há muita gente que ainda não se apercebeu. a solução passa por um governo com apoio político sólido e um programa da troika com mais qualidade de ajustamento.
a troika está aberta a um programa mais suave?
estará sempre disponível para soluções que tenham estabilidade e que sejam viáveis. os credores não querem ter um fracasso, mas é para onde caminhamos.
e já se aperceberam do fracasso?
o governo só conseguiu reduzir o défice orçamental em um ponto percentual, em 2012, sem medidas extraordinárias. isto com uma dose de austeridade muito maior. há que mudar o programa de ajustamento e ver em que componentes a comissão europeia (ce) pode ajudar. a consolidação orçamental não pode ser feita apenas com os instrumentos tradicionais. o aumento de receita e o corte de despesa já não são suficientes para atingir os objectivos do programa. uma política contraccionista tem um efeito recessivo e gera o que se passou em 2012: aumento do desemprego, diminuição das contribuições sociais e queda significativa das receitas fiscais. grande parte da austeridade perde-se.
e qual a solução?
tem de haver um apoio europeu para aliviar o nosso orçamento e promover crescimento. por exemplo, usar os fundos estruturais como o qren para financiar a descida da taxa social única (tsu). devíamos também canalizar parte do orçamento europeu para as prestações sociais e fazer exportação fiscal. parte do iva do turismo, que recai sobre não residentes, podia ser canalizado para as autarquias. se isso acontecesse, a receita fiscal em sede de iva turístico certamente que subiria. esta exportação fiscal, ou seja colocar os turistas a contribuir um pouco para o erário público, é uma terceira via. temos de renegociar os juros e, eventualmente, o montante da dívida pública.
a extensão por mais sete anos das maturidades dos empréstimos da troika não evita um perdão parcial da dívida?
portugal vai precisar de um haircut da dívida. já estamos acima do dobro do patamar que a ce considera sustentável. a menos que sejam introduzidas políticas diferentes, portugal vai a caminho de uma reestruturação da dívida, porque a economia não consegue crescer e assim não há capacidade para pagar os juros da dívida.