a arte é frequentemente definida como a criação de algo artificial pelo homem ou a transformação da natureza com um fim estético. a obra de alberto carneiro – nascido em 1937, em são mamede do coronado, trofa – contraria esta noção: para ele, a natureza é muitas vezes a própria obra de arte e, quanto menor for a intervenção do homem, mais próxima ela estará da perfeição. a maioria das peças que apresenta em arte vida / vida arte – uma exposição com 21 momentos especificamente pensados para o museu de serralves – foram criadas a partir de raízes e troncos de laranjeiras, oliveiras, bambus e vides.
“há coisas que nos encantam sem sabermos porquê e se aproximam da ascese. nasci no meio rural, convivi com a natureza desde muito pequeno e os meus brinquedos eram feitos de pauzinhos e pinhas. mais tarde, quando pude reflectir esteticamente sobre as coisas, isso é reconvertido na causa principal do meu trabalho”, explicou ao sol.
após ultrapassar o hall de entrada de serralves, dominado por uma superfície espelhada, o visitante dá de caras com o primeiro momento, a árvore da vida com imagens do teu ser imaginante, uma tangerineira virada ao contrário, complementada por folhas da própria árvore e painéis de vidro. o objectivo do artista é “envolver” o espectador através do seu reflexo. “só assim a obra está completa”, sublinha. o visitante volta a ser interpelado por uma espécie de gráfico com 90 metros de comprimento, que acompanha a mostra: entrecruzam-se três linhas, acompanhadas por descrições de paisagens e pequenos espelhos com inscrições como ‘eu sou maçã’.
as árvores do vizinho
alberto carneiro deu corpo à exposição num momento em que se encontrava fisicamente limitado (devido à doença, guiou os jornalistas em serralves numa cadeira de rodas). por isso, teve de escolher materiais que não implicassem grande esforço na sua manipulação e recorreu àquilo que tinha por perto: as laranjeiras que o vizinho teve de cortar ou as vinhas da sua propriedade, plantadas pelo pai.
na sala central do museu projectado por siza vieira, uma janela com vista para os vastos jardins abre-se pela primeira vez em cerca de três anos. o relacionamento com o espaço envolvente é outra das marcas de arte vida / vida arte, que proporcionou à australiana suzanne cotter, directora desde janeiro, a “revelação” de um artista que não conhecia. até 24 de junho, os surpreendentes arabescos das raízes e o cheiro das folhas transformam o museu de serralves num espaço multissensorial.