o cabelo verde foi a imagem de marca da mais recente obra do teatro praga, a tempestade, que esteve em cena no ccb e em paris, onde foi amplamente aplaudida. «é frustrante viver num país em que somos ignorados, quando vamos a paris e estamos em todo o lado», desabafa. joana trabalha oficialmente com o colectivo desde 2008, quando fez conservatório. a relação com o grupo, porém, começou antes. «o primeiro espectáculo que vi foi o super gorila, em montemor. lembro-me que estava com a minha t-shirt dos sonic youth, fui jantar com os meus pais e vi-os. fiquei histérica e a minha mãe fez uma coisa horrível: foi apresentar-me».
logo de seguida contactou o grupo para que a deixassem assistir aos ensaios da peça avarento, num momento em que ainda vivia entre portugal e espanha. acabou convidada para fazer o espectáculo seguinte. «criaram uma cena para mim, em que tinha de ler um poema, e decidi ler aquilo em spanglish. toda a gente se ria à gargalhada. percebi que não estava sozinha».
joana barrios nasceu em beja, mas cresceu em montemor-o-novo, onde ainda hoje a tratam por «menina joaninha». foi ali que descobriu a proximidade com as artes, muito por ‘culpa’ da mãe. «não gostava de ver televisão, passava horas a ler, e sempre tive um problema de hiperactividade. de abril a outubro tinha as pernas em carne viva. por isso a minha mãe arranjava sempre formas de me distrair. desde torneios de basquete a exposições e espectáculos. andava connosco para trás e para a frente, sempre de salto alto». a admiração pela mãe fica explícita logo nos primeiros minutos de conversa. «falo todos os dias ao telefone com a minha mãe, pelo menos meia hora.somos siamesas. a minha mãe e o meu padrasto, a quem chamo pai, são os meus amigos da vida».
foi em montemor que conheceu o coreógrafo rui horta, que à data abria o espaço do tempo. «isto mudou a minha vida. fazia teatro na escola e passava tardes no convento com o rui». à noite ajudava no restaurante dos pais. sempre curiosa, ficava horas a falar com as pessoas. «fui conhecendo pessoas especiais que achavam curioso uma menina novinha que falava português, inglês, francês e espanhol, e via os espectáculos todos». um percurso nas artes parecia inevitável.
terminou o secundário em humanidades e, com 17 anos, foi estudar para o conservatório de lisboa. «foi infernal. estava habituada a ser a melhor em tudo e, de repente, era a pior. diziam-me que era muito alta e ficava mal na cena, parecia um ‘frondoso carvalho’. chorava todos os dias». mas não desistiu e começou a trabalhar na área, primeiro nosão carlos. depois em barcelona, para onde foi estudar crítica de cinema e música pop e estagiar com a coreógrafa anna sanchez. uma lesão impossibilitou-a de continuar, mas ainda assim resolveu ficar. arranjou trabalho numa loja de roupa vintage e dava aulas de inglês a uma senhora, «à qual nunca cobrei nada além de comida». só em 2008, e já depois das primeiras colaborações com os praga, arrumou as malas e regressou definitivamente a portugal. sem arrependimentos.
um ano depois deste regresso recebeu o convite mais inesperado de sempre: ser porteira do lux, a única discoteca em que alguma vez tinha entrado em lisboa. algo que nunca lhe tinha passado pela cabeça. «a invenção joana barrios enquanto porteira do lux é da inteira exclusividade do manuel reis», brinca. não teve como recusar e ali descobriu mais uma família. e sobretudo um espaço que lhe permite manter-se independente nas suas escolhas enquanto actriz. mesmo que isso signifique que, em temporadas de espectáculo, de 5.ª a domingo, trabalhe mais de 80 horas. «o lux permite-me ainda viver em portugal e trabalhar com os praga. não é difícil perceber que dois espectáculos por ano não dão de comer a ninguém». e joana, que antes raramente saía à noite e acordava às 7 da manhã, passou a deitar-se a essa hora três dias por semana. «não é fácil, mas é muito interessante. exige uma resistência grande sobretudo porque nos tornamos um alvo fácil. mas eu sou muito calma».
sabe que a imagem que fazem de si está longe de ser consensual. acha que não é assim tão importante para ser odiada, mas também nunca procurou consensos. no seu blogue, trashédia, escreve o que lhe apetece, sobretudo sobre moda e o «porquê da não individualidade». por vezes chateia alguns grupos, como as tunas, que fizeram correr rios de tinta para a atacarem. «não ando à procura de status, o blogue é algo que faço para me divertir, mas pelos vistos é mais uma coisa para me odiarem». mas joana não está nem aí. afinal, ela é só a miúda de montemor, a tal dos olhos grandes e joelhos esfolados, que sonha «casar e ter 300 filhos» e «adorava fazer uma telenovela».
raquel.carrilho@sol.pt