Indiferença

O estudante Marlon Correia tinha 24 anos e trabalhava na bilheteira da Queima das Fitas no Porto. Foi mortalmente baleado na véspera do início da festa anual dos universitários por um grupo que tentou assaltar o queimódromo.

e o que aconteceu no dia a seguir ao homicídio? a festa continuou como se nada tivesse acontecido. a indiferença da organização da queima das fitas relativamente a um crime violento, apesar de tudo pouco habitual em portugal, a fazer lembrar uma cena de faroeste, é repugnante. nem compreendo como é permitido fazer uma festa num local de crime. há questões a colocar neste momento, uma das quais diz respeito à segurança, ou falta dela, que é assegurada às pessoas que trabalham no evento. e às que o frequentam, claro. mas a questão é moral. assistimos a uma apatia doentia face a um crime desta natureza. mas despertar as pessoas para o óbvio nem sempre é fácil. por isso há polícias e tribunais.

vivo é mais fácil

até à data em que escrevo, o corpo de tarmerlan tsarnaev, de 26 anos, ainda não foi sepultado. a cidade de cambridge, no massachussets, residência da família desde que se mudou do daguestão para os estados unidos, recusou o pedido da funerária onde o corpo se encontra. o pedido à municipalidade foi necessário porque vários cemitérios recusaram o enterro. agora o mesmo está a acontecer no connecticut e em nova jérsia. a funerária foi acusada de ‘antiamericanismo’ e há relatos de pessoas a exigir que o corpo seja deitado ao mar, como aconteceu com bin laden. o problema é delicado. por um lado, é difícil pensar num mundo civilizado em que os mortos não têm direito a serem sepultados. por outro, pode haver o receio de a sepultura se tornar um local de culto ou de conflito. existe a hipótese da cremação, mas não aparece no discurso do tio, ruslan tsarni, que está a tentar resolver o problema. e também há o daguestão…

inventar uma língua

quem segue a emocionante série game of thrones, criada por david benioff e d.b. weiss para a hbo, sabe que daenerys targaryen fala duas línguas inventadas: dothraki e, soubemo-lo há pouco, quando quis comprar um exército, valyrian. não fala grego, mas ninguém é perfeito. um artigo na the economist explica como se inventa uma língua e não parece complicado. basta decidir que certas palavras com sons reconhecíveis e uma estrutura gramatical com critérios e excepções têm determinados significados. a língua não é inventada do nada, mas de regras e vocábulos que existem noutras línguas. mistura-se tudo e temos dothraki e valyrian. depois há que adaptar a língua a quem a fala. david peterson, o inventor, criou 20 palavras para ‘cavalo’ em dothraki, mas nenhuma para ‘sanita’. os dothraki são guerreiros feios e porcos. apesar disso, sabemos que criou uma maneira de mostrar amor através do verbo ‘mra zhor’. e porque não?

temperança

há tempos foram descobertas as ossadas de ricardo iii num parque de estacionamento em leicester. há novidades. parece que ricardo iii foi apenas o ponto de partida para aquilo que será um cemitério romano do século iii ou iv da nossa era. foram descobertas 13 sepulturas pela mesma equipa de arqueólogos da universidade de leicester, que também desenterraram objectos pessoais como ganchos de cabelo, fivelas de cintos e sapatos cardados, que podem ajudar a compreender quem estaria ali sepultado. um anel com um símbolo cristão estará entre as descobertas. tenho confiança na equipa, mas temos investigação para durar anos. penso que seria tudo mais rápido e ainda mais giro se chamassem a dra. temperance brennan, mais conhecida por ‘bones’. a antropóloga forense mais célebre da televisão descobriria o que há para saber, mesmo os nomes de assassinos, se os houver, em apenas 45 minutos de episódio. pensem nisso.

nunca mais

a arábia saudita volta a marcar presença no cinco sentidos, desta vez por causa de uma campanha contra a violência doméstica. é a primeira no país e apresenta uma imagem de uma mulher com um olho negro coberta por um niqab. a frase que a acompanha apareceu traduzida como ‘a ponta do icebergue’ e a versão em inglês diz que ‘há coisas que não podem ser tapadas’. só é verdade porque a mulher tem vestido um niqab e não uma burca. a iniciativa é apoiada pela princesa adela bint abdullah, que, em 2009, afirmou numa conferência que os crimes de violência doméstica têm de ser públicos e que deveria haver um sistema parecido com a protecção de testemunhas para proteger as vítimas. a liderar a campanha estão mulheres com educação superior, ainda poucas no país. é mais fácil quando as elites estão empenhadas na mudança. a arábia saudita pode ser o primeiro dos países árabes a tratar as mulheres como seres humanos. não demorem.