Um dilema trágico

Desde o início do levantamento anti-Assad na Síria, que os Estados Unidos seguiram uma política destinada a enfraquecer gradual mas sistematicamente o regime de Assad. A intervenção directa, pedida por alguns aliados e por muitas vozes nos Estados Unidos, foi posta de lado com medo da resposta da Rússia e até do Irão e da…

só que, com o prolongar do conflito, os elementos que estão a ganhar a hegemonia na coligação rebelde são os militantes salafistas radicais e os combatentes islâmicos mais extremistas como os jabhat al-nusra (próximos da al-qaeda) e os chechenos.

a opinião americana é sensível à contradição no bloco oposicionista depois que foi conhecida a trajectória de bin laden e dos seus principais lugares-tenentes. na verdade, eles foram aliados ou instrumentos do poder americano contra os soviéticos nos anos 80 quando acabar com o ‘império do mal’ era o objectivo principal. no conflito global seguinte, quando os aliados da véspera, ou alguns deles, se tornaram o inimigo principal do conflito com o fundamentalismo islâmico radical, as coisas mudaram.

a nova revolução árabe pôs a washington esse dilema entre a aplicação dos princípios do internacionalismo democrático – dos neoconservadores do gop ao mainstream dos democratas – e levar ao poder maiorias anti-americanas e mesmo grupos radicais. ou abandoná-los e manter o statu quo.

esta tem sido uma questão central da administração obama e da definição externa que o novo secretário de estado, kerry, terá de aplicar: a definição de uma doutrina, ou melhor de uma ideologia de que a américa seria o receptáculo e o porta-voz e que identificaria como superior eticamente e susceptível de ser aplicada e difundida à escala global. tal doutrina serviu de justificação oficial às intervenções dos estados unidos nos três conflitos centrais do século xx: contra os impérios centrais em 1916, contra o eixo fascista e imperialista em 1940 e na guerra fria, contra os soviéticos.

mas o outro e principal objectivo da política externa é defender os interesses nacionais do próprio estado, a sua segurança e independência. a democratização, ou melhor, o derrubar dos governos ditatoriais autoritários e militares leva para o poder as forças que são hostis aos estados unidos, também porque estes foram aliados objectivos ou apoiantes dos regimes anteriores (numa ambiguidade entre princípios e prática que vem em qualquer manual da história diplomática). como se viu no caso do iraque e está a ver-se em geral no mundo islâmico.

com o conflito sírio a escalar rapidamente nas zonas transfronteiriças, com a ameaça terrorista no mali e em todo o arco da transição magrebe-áfrica equatorial, com as tensões na argélia e no egipto, com os riscos de radicalização no caso israelo-palestino, o debate teórico é relançado na américa. e é mais importante que nunca. a ele voltaremos.