joaquim tem 54 anos, mas aparenta ter mais. prefere não revelar o verdadeiro nome com medo de ser despejado. ao peito traz uma cruz de madeira e as chaves de casa.
aquilo a que chama casa é um pequeno quarto, localizado debaixo das escadas de um prédio da zona de arroios. “só cabe uma cama”, descreve.
o quarto está paredes meias com um apartamento, onde joaquim pode usar a casa de banho e a cozinha. ali vivem a suposta senhoria e a filha, que cobram 200 euros todos os meses de renda do quarto.
“ela queria 250 euros, eu disse que era muito caro e ela aceitou baixar”, conta. quem paga esta renda é a santa casa da misericórdia de lisboa, já que joaquim está sem trabalhar desde 2007 e sobrevive com um rendimento social de inserção de 65 euros.
joaquim já viveu em casas com “muita gente”. a última, uma vivenda na mesma zona da capital, tinha pelo menos 16 quartos — todos alugados.
“era uma confusão. eram bêbedos, drogados, casais que estavam sempre a discutir”, descreve.
durante o tempo que viveu nesta casa — num quarto um pouco maior e com janela — joaquim foi assaltado e agredido.
“eu estava a fazer as minhas necessidades e começaram a bater à porta. quando saí, um casal, que dizia já estar atrasado, bateu-me, só porque sim”, recorda.
joaquim admite que “não sabe” como aguenta viver nestas condições. “quem vive pior do que eu? só mesmo um sem-abrigo”, constata.
se lhe saísse “a sorte grande”, comprava uma casa. “era a única coisa que queria”. isso e sossego.
depois de ter pedido uma casa à câmara de loures e nunca ter tido resposta, joaquim desistiu. hoje considera que a “única solução” para a sua vida é arranjar emprego. “mas dizem que sou velho”, lamenta.
também maria só gostava de ter um local sossegado para viver. com 58 anos, há 13 que partilha o teto com o senhorio, depois de um acidente a ter impedido de voltar a trabalhar.
nos últimos tempos, e consoante a quantidade do que bebe, “muito vinho e bagaço”, o senhorio proíbe-a de usar as divisões comuns da casa, mas nunca lhe fez mal.
“diz-me que se eu chegar depois das 20:00 já não posso aquecer nem o jantar, nem água”, descreve. para poder aquecer as refeições, o centro social de arroios sugeriu instalar um microondas no quarto. o senhorio pediu mais 25 euros pelo uso da ficha.
a pagar 200 euros pelo quarto e com uma pensão de 215 euros, maria decidiu continuar a aceitar os humores do senhorio. o que lamenta é que não possa receber as filhas — estudantes ou com empregos precários — em casa.
“quando elas me vêm visitar ele não deixa que elas subam, então temos de ir beber uma bica. só queria um local sossegado para poder receber as minhas filhas e estar como uma família”, pede.
por sua vez, fernando, com 63 anos, partilha a casa com a senhoria, de 90 anos, e um outro idoso. traz fato e gravata e recorda o que aprendeu nos seus tempos de bombeiro voluntário.
“nunca tive problemas com a senhoria”, ela só lhe mexeu nas coisas. “ela já tem aquela teimosia da idade, mas eu sei como cuidar dela”, conta. com alguns biscates que faz, fernando “vai-se arranjando” para pagar a renda de 200 euros do quarto onde vive, que “até é grande”.
o maior problema, admite, é a falta de higiene que tem em casa porque, justifica, a senhoria “não quer” que se limpe. aparecem pulgas. o centro mandou lá uma equipa para desinfestar mas voltaram a aparecer.
fernando usa diariamente as instalações do centro social de arroios para tomar banho e lavar a roupa, e tem acesso às refeições disponibilizadas pela instituição. também joaquim e maria o fazem.
o director do centro, pedro cardoso, referiu à lusa que um terço dos idosos que apoia vive nesta realidade de “subaluguer”, com “condições de vida miseráveis” e critica as várias entidades que já abordou com ideias de soluções para este problema — da santa casa à câmara de lisboa – e que até agora não obteve soluções.
“é importante dar autonomia e dignidade de vida a estas pessoas”, conclui.