Surpresa no Parlamento

Só em Portugal pode haver surpresas em votações no Parlamento. Refiro-me à votação do projecto-lei que defende a co-adopção de crianças por casais do mesmo sexo.

a possibilidade de co-adoptar os filhos adoptivos ou biológicos da pessoa com quem estão casados ou com quem vivem em união de facto é, na minha opinião, uma medida justa e de bom senso, que protege estas crianças do desamparo legal em caso de doença ou morte do pai ou mãe biológicos ou adoptivos. fiquei surpreendida por ver o projecto-lei aprovado, mas a maior surpresa foi perceber que nem os próprios deputados estariam à espera do resultado. isto revela que terá havido poucas conversas de bastidores para fazer passar a votação. os deputados votaram de acordo com a sua consciência e assim mostraram uma verdade que não é habitual vermos em governantes e políticos. como se estivesse por fim ao alcance de cada um ali corrigir uma injustiça. estão de parabéns.

secretismo

a new york magazine fez uma pergunta interessante sobre o caso de angelina jolie. como conseguiu a actriz fintar os paparazzi vigilantes e manter em segredo a dupla mastectomia preventiva e a cirurgia de reconstrução a que se submeteu? o artigo não responde à pergunta, mas apresenta um conjunto de títulos na imprensa dita cor-de-rosa sobre as suas escolhas de vestuário em eventos sociais. angelina começa a desiludir a partir de fevereiro ou porque anda desaparecida de cena a tratar do seu casamento ou porque quando aparece está demasiado tapada e vestida de preto ou cinzento. os decotes desaparecem e o daily mail, uma publicação que vive da ‘preocupação’ pelas celebridades, nota em finais de abril que a actriz tem os braços «demasiado magros». ninguém percebeu nada até ser a própria angelina jolie a explicar, num texto notável, o que viveu nos últimos tempos. se pagou pelo silêncio foi dinheiro bem gasto.

ruído virtual

um artigo no guardian coloca uma questão ingénua sobre como escrevem os novos escritores se passam o tempo agarrados ao telefone ou ao computador. que histórias e que personagens podem imaginar se lhes falta a experiência do mundo? a ideia de o escritor se aproveitar da sua vida para escrever um livro revela desconfiança da sua capacidade de imaginação. além do mais, associa a experiência à qualidade literária, o que nem sempre acontece. é certo, no entanto, que a escrita pode estar a tornar-se uma actividade menos solitária. um autor assíduo nas redes sociais ou obcecado com os emails pode ter a sensação de estar acompanhado por um ruído de fundo virtual. não sei se esta companhia constante será útil à criatividade. um dos escritores contactados, paul miller, até se viu obrigado a «tirar um ano de férias da internet», porque estava cansado de ter gente à volta. é a velha necessidade de estar sozinho. pelo menos a escrever.

a última fronteira

em breve, será posta à venda nos estados unidos uma nova edição do manual de diagnóstico e estatística das perturbações mentais (dsm-v), publicada pela associação americana de psiquiatria. a nova edição do dsm reaviva polémicas sobre o excesso de definir comportamentos menos comuns como doenças ou a ganância dos laboratórios farmacêuticos de adaptarem velhos medicamentos a novos sintomas e vice-versa. eu, profana mas curiosa, fico fascinada com o relatório de condutas excêntricas ou patológicas organizado por mais de 1.500 especialistas baseados no estudo de milhares de pacientes nos estados unidos. acredito na utilidade do dsm como referência. ao mesmo tempo, aceito que é efémero. o cérebro humano é uma complicação. e se é certo que a história nos mostra que se fazem sempre as mesmas perguntas, a verdade é que as respostas continuam a ser diferentes, inadequadas, inúteis ou assustadoras. a cabeça dá muito que pensar.

como uma gripe

investigações recentes sobre a depressão realizadas pela universidade norte-americana de notre dame indicam que há uma probabilidade de a doença ser contraída como uma gripe. embora o vírus da depressão não exista, os estudos apontam para uma maior incidência da doença em jovens que convivam com colegas que remoem nos aspectos mais negativos da vida. haverá já nesses jovens contagiados uma certa disposição para a depressão, que é espevitada por companhias que mantêm uma relação pouco saudável, demasiado insistente, com a tristeza. importa dizer que os participantes eram estudantes universitários caloiros que estavam longe de casa e que partilhavam o quarto com desconhecidos. a situação de stress é útil ao estudo, que vem só confirmar uma intuição que os maus pensamentos também se pegam. o lado menos dramático do estudo foi ter concluído que se passa o mesmo com a boa disposição. claro que há esperança.