Livro: ‘Yoga para pessoas que não estão para fazer yoga’

Em Yoga para Pessoas Que Não Estão Para Fazer Yoga, Geoff Dyer mistura realidade e efabulação para traçar uma volta ao mundo de um homem em queda livre.

quando geoff dyer andou a viajar pelo sudeste asiático foi parar a uma espécie de hotel, numa praia tailandesa, referido como o santuário. os vários turistas ocidentais dedicavam-se a nadar, descansar, reflectir, ingerir drogas e fazer yoga, enquanto esperavam pela mítica festa da lua cheia. o escritor britânico sentiu-se em casa. mas nunca chegou a sentar-se em posição de lótus e a adorar o deus-sol. antes pelo contrário: preocupou-se com as alforrecas e por isso não nadou, não deu grandes passeios pelas praias ou pela selva que ladeava o hotel, limitando-se a a trocar dois dedos de conversa com quem aparecia, enquanto tentava seduzir uma bela turista de biquíni vermelho. ou, pelo menos, isso nos conta o autor em yoga para pessoas que não estão para fazer yoga (ed. quetzal).

e porque vai alguém que não gosta de yoga ou de meditar para um tal retiro? “por uma série de razões, para tomar drogas e ir a festas ou simplesmente para se divertir. nunca fiz yoga, mas o yoga sempre fez parte de uma certa ‘onda’ de que gosto, a dos viajantes alternativos. sinto-me atraído por todos os seus aspectos, até pelo lado espiritual, mesmo não tendo eu qualquer crença religiosa”, diz o escritor.

se não é verdade podia ser

yoga para pessoas que não estão para fazer yoga é um livro impossível de definir por não caber em nenhuma categoria. sendo um texto que nos fala de várias viagens feitas pelo autor, passando por sítios como nova orleães, camboja, roma, amesterdão ou indonésia, não é um livro de viagens e não é um romance ou um conjunto de ensaios. e, de certa forma, os vários textos que o integram acabam por nos fornecer a história de um homem deprimido, com uma vida em declínio, incapaz de se dar ao trabalho não só de fazer yoga, como, sequer, de escrever um livro.

narrado na primeira pessoa e descrevendo um sem fim de situações que, numa primeira leitura, é fácil acreditar terem sido vividas pelo autor há, a páginas tantas, um aviso do narrador, que diz que tudo o que está no livro aconteceu mas algumas das coisas que aconteceram só aconteceram na sua cabeça. “o texto não deixa de ser, de certa forma, autobiográfico, mas não se pode confiar nele da mesma forma que se confia num depoimento em tribunal, que tem que ser completamente fiel a tudo o que efectivamente aconteceu. vivi, até determinado ponto, todas as experiências descritas. e depois há uns 25% de efabulação. há o que poderia ter acontecido”.

em todos os locais descritos no livro, geoff dyer já esteve. o escritor, que veio a lisboa como júri do prémio besphoto, passa a vida de mochila às costas. “viajo porque os meus pais não viajaram. nunca andaram de avião, nunca íamos a lado nenhum nas férias, porque o meu pai detestava gastar dinheiro. às vezes íamos a uma pequena vila balnear inglesa e era horrível. eles não tinham qualquer desejo de ir fosse onde fosse. e porque tive uma educação que me deu várias oportunidades e porque comecei a ler muito, achei que seria boa ideia ir viajar. e comecei por ir a frança”. e como as viagens são como as cerejas, depois da primeira o autor nunca mais parou. “quanto mais se viaja, mais nos começamos a sentir em casa seja onde for no mundo”.

e há sítios a que se retorna. como o santuário, na tailândia, onde voltou anos depois. nessa altura uma senhora reparou no comportamento do escritor com um medo irracional das alforrecas. “vivemos num planeta extraordinário. é incrível como quase nada de mal nos acontece. umas das coisas mais bonitas de viajar é percebermos que a maior parte das pessoas no mundo não têm tanta intenção de nos prejudicar como nós a elas”.

rita.s.freire@sol.pt