em cannes, aquele é um dos últimos monstros sagrados do cinema europeu recordou ao sol os principais feitos da sua carreira e mostrou como, ultrapassados os problemas de saúde que o atormentaram durante anos, parece ter ganho uma nova fúria de viver.
porquê uma versão em 3d de o último imperador?
porquê? foi-me proposto pelo estúdio. e depois de ouvir os argumentos deles achei que deveria fazê-lo.
sentiu que ao regressar a este filme iniciou uma nova viagem?
sim, foi isso mesmo. foram muitas as memórias que revivi ao voltar a mergulhar em todo este ambiente.
gostou do resultado?
quando vi o filme em 3d percebi que as sequências iniciais, com todas aquelas centenas de extras, graças ao efeito 3d se tornavam magníficas. só por isso achei que já tinha valido a pena.
e o que diria aos puristas que acham que os filmes deveriam ser vistos apenas na sua versão original?
é uma pergunta que já me fizeram várias vezes. não acho que tenha de se manter essa visão inicial. entendo que devemos avançar com o tempo e adaptar-nos. temos de evoluir.
a indústria cinematográfica mudou muito, sobretudo nos últimos anos. como encara estas transformações?
tenho assistido a mudanças no cinema durante toda a minha vida. tudo é cada vez mais rápido. por isso faz sentido que o cinema seja mais rápido. a tecnologia fascina-me. admito que existam novas formas de ver cinema. se é o 3d, não sei. na sessão de ontem percebi alguma distância nos rostos das pessoas. havia algo que as dividia. foi uma experiência muito física. não sei, talvez um dia possamos ver um filme num relógio ou na testa da pessoa que amamos…
costuma ver filmes em 3d?
vi o do scorsese, a invenção de hugo. ainda não vi o grande gatsby.
a invenção de hugo é um dos casos em que o potencial da tecnologia foi mais bem aproveitado.
é verdade. mas desde que não exista a tentação de atirar imagens à cara das pessoas não vejo por que não devam fazer-se mais filme em 3d.
parece estar em boa forma. sente-se melhor fisicamente?
muito melhor, e consigo deslocar-me bem com a cadeira de rodas. houve uma altura em que tive vários problemas de coluna e fui sujeito a várias operações que me deixaram cada vez pior. felizmente, estou muito melhor.
chegou a sentir receio de não poder voltar a filmar? como se pode lidar com essa frustração?
medo, não tenho. descobri que desde o momento em que se aceitam as condições tudo será normal. mas fazer filmes é a minha vida. assim que esteja num local de rodagem e com uma câmara na mão já ninguém me segura.
diz que tem vontade de voltar a filmar. sente o mesmo fascínio por fazer cinema que sentia quando começou a sua carreira?
comecei a fazer filmes ainda muito jovem. fiz a minha primeira longa metragem aos 21 anos. o cinema era muito diferente na altura. estávamos no início dos anos 60 e era tudo político. até comer esparguete era político [risos]. tudo tinha de ser politizado. na altura fazia pequenos filmes para mostrar aos amigos. entretanto, cheguei à conclusão de que deveria comunicar alguma coisa. fiz o último tango em paris e tudo mudou. antes disso ninguém via os meus filmes.
no documentário de james tobback e alec baldwin, seduced and abandoned, vemo-lo dizer que a relação com marlon brando ficou abalada depois desse filme. porquê?
o que eu digo é que o filme parece ter retirado do marlon uma grande verdade sobre ele próprio, algo demasiado pessoal e que ele nunca mais recuperou. de certa forma, o marlon sentiu que nunca mais foi o mesmo.
conseguiu, apesar de tudo, recuperar a amizade dele?
sim, mas durante mais de cinco anos não me falou. a verdade é que durante esse período várias tragédias aconteceram na família dele, algumas delas envolvendo os seus filhos [christian esteve preso por, em 1990, ter morto o namorado da irmã cheyenne, a qual se suicidou em 1995, com 25 anos].
acha que o último tango em paris será o ponto mais alto da sua carreira? pelo menos aquele de que mais se orgulha?
não tenho preferências. para mim, o último filme que faço é sempre aquele de que mais me orgulho. isto porque é aquele com o qual ainda mantenho uma ligação mais próxima. é claro que o último tango em paris mudou a minha carreira, mas isso é outra coisa.
sente que o último imperador também poderá estar numa short list dos seus melhores filmes?
sim, sobretudo depois de o ver aqui em cannes, com uma sala enorme cheia de gente. ganhou, de certa forma, uma vida nova. por isso acho que faz sentido lançá-lo de novo numa cópia em 3d.
dá para perceber que é uma pessoa aberta à mudança…
quando o novo milénio chegou, senti que estava a chegar uma era completamente nova. acontece com a música, com o cinema e com outras formas de expressão. gosto de mudanças.
enquanto realizador de o último imperador, como olha para as mudanças na china de hoje? o que pensa desta nova china?
quando fui as primeiras vezes à china, nos anos 90, antes de fazer o filme, ainda se vivia sob a liderança de deng xiaoping. aí não interessava se o gato era branco ou negro, o que interessava era que o gato apanhasse o rato [risos]… acho que o mesmo ideal se mantém. é bastante cínico, mas parece funcionar. o desenvolvimento continua e é o que lhes importa.
disse recentemente que as personagens do seu último filme [tu e eu] pareciam ter acabado de sair de uma caverna. mas a verdade é que você também parece ter decidido combater o isolamento. agora vemo-lo de festival em festival a promover o seu filme…
sim, o entusiasmo continua a ser muito forte, tal como o desejo de ver filmes. é um desejo que move montanhas.
como o caso do português manoel de oliveira, que parece alimentar-se do próprio trabalho…
o manoel está a filmar?
tem um filme em preparação. chegaram a conhecer-se?
claro que sim. foi há muito tempo. encontravamo-nos sempre no cinema prado, com o director da cinemateca de madrid. o manoel é um grande realizador, admiro muito o trabalho dele.
tem algum projecto novo para voltar a filmar?
já tenho uma ideia, mas ainda não encontrei a forma certa de a concretizar.
em setembro será presidente do júri do festival de veneza. sente que ao decidir o vencedor pode ajudar uma carreira ou prejudicá-la?
não, não penso nisso. até porque não é só a minha opinião que conta.