a primeira foi há mais de 40 anos, numa edição do livre de poche. tinha 20 anos. havia uma daisy impossível ou inacessível num east egg qualquer e li-o numa viagem de comboio porto-lisboa, na excitação doce e masoquista dos amores infelizes.
depois li tudo o que fitzgerald escreveu e as biografias dele e de zelda.
o grande gatsby está naquela dúzia de romances ou peças de teatro (como guerra e paz, o mestre e margarida, romeu e julieta, mau tempo no canal) que contam uma paixão na perfeição e nos deixam no limite do sentimento.
e é também um tratado sobre os estados unidos. as personagens vêm de toda a américa, gatsby do north dakota, daisy de louisville, tom buchanan de chicago e nick carraway do minnesota, mas ambos, nick e tom, de yale. e há nova iorque-babilónia, diferente de todas as outras cidades do mundo, com aquele prolongamento de long island. podemos fazer a viagem para nova iorque pela ponte de queensborough e achar que o mundo começa outra vez com o verão, e que, como queria jay gatsby, podemos repetir o passado. fiz isso algumas vezes, mas hoje já sei que o passado não se repete nem pode refazer-se tal como foi.
mas não me indignei com o filme. baz luhrmann reinventou outro gatsby. como me disse alguém inteligente e sensível, ele fez uma realização ‘à gatsby’ do gatsby, numa adaptação livre do romance: não me incomodou o artifício de nick no sanatório (afinal o scott e a zelda andaram por sanatórios); nem a fantasia e o pot-pourri musical, misturando a música da era do jazz e a de hoje; e gostei daquela nova iorque de dalí barroco, para onde descemos do espaço e da parafernália sem fim de carros de cores berrantes e guardas-roupa de opereta extravagante.
e há as classes sociais e as suas relações através das outras relações: tom, myrtle, o marido dela que mata o gatsby…
da versão de elliot nugent com o alan ladd, de 1949, só olhei pedaços no youtube, tal como da série televisiva de 2000, em que a mira sorvino fazia de daisy. a de jack clayton, que vi em joanesburgo em 1974, com o robert redford e a mia farrow, não me convenceu. gostei mais desta. o redford não dava a fragilidade, a oscilação entre força e fraqueza, entre convencimento e timidez, do gatsby; o dicaprio faz isso melhor; a carry mulligan é mais a daisy, princesa mimada, perdida, abandonada ao ogre machista buchanan e mais bonita que a mia farrow. e o tobey maguire faz um excelente nick carraway, narrador pouco fiável, cronista, protagonista, nós a olharmos para nós.
a fita não tem nem a complexidade nem a subtileza do romance, mas não deixa de valer a pena.