Dito&Feito

José Sócrates regressou ao país com uma visão redutora da intervenção política. Desperdiça o seu espaço de comentário televisivo na RTP1 em ajustes de contas com o passado, na cansativa autoglorificação da sua pessoa, na opinião maniqueísta sobre os intervenientes da actualidade política, em que os bons estão invariavelmente de um lado, o seu, e…

não há qualquer análise distanciada dos factos, não há a mínima perspectiva crítica sobre o ps ou a esquerda, não há uma sombra de isenção opinativa nas suas palavras. quase nem é preciso ver para se saber o que vai ser dito no seu comentário.

mas, além da previsibilidade do seu facciosismo político, sócrates ainda nos consegue surpreender com algumas tiradas de desfaçatez argumentiva. no passado domingo, o ex-líder do ps não poupou os governantes que têm levado à prática a austeridade: «fico muito surpreendido quando vejo alguns políticos pretenderem que a boa governação é desagradar ao povo. que governar bem é ter 75% das pessoas que não concordam. como se o povo não contasse!». e sublinhou «a arrogância» daqueles que «tomam medidas contra as quais os portugueses se manifestam».

ora, aqui chegados e para quem tem a memória curta, vale a pena lembrar algumas medidas – que muito agradaram aos portugueses – tomadas por sócrates com os seus pec1, pec2 e pec3 em 2010: cortes nos salários dos funcionários públicos, congelamento de pensões, subida do iva para 23% e novos escalões de irs e irc, supressão dos abonos de família, limitação das deduções fiscais, portagens nas scut, etc. um pacote de ‘boa governação’ que culminou com a assinatura do memorando com a troika e o seu detalhado catálogo de medidas de austeridade. por aqui se vê até onde chegam a coerência política e o contorcionismo da oratória.

acrescente-se que josé sócrates tem alcançado na rtp1 uma audiência média que oscila entre 10% e 14% de share, cerca de um terço dos telespectadores que seguem marcelo rebelo de sousa aos domingos na tvi e pouco mais de metade dos que vêem marques mendes aos sábados na sic. nada mau e até acima do previsível para um comentário que se reduz a um tempo de antena televisivo.

jal@sol.pt