Os ícones das revoltas

A imagem tirada na madrugada de segunda-feira é impressiva: uma figura solitária, de pé, imóvel (durante cerca de seis horas), num desafio passivo à exigência do primeiro-ministro turco de evacuar a praça Taksim, em Istambul.

encorajados pelas redes sociais a replicar o gesto do performer erdem gunduz – no twitter está a ser divulgado pela hashtag #duranadam, ‘homem em pé’ em turco -, outros manifestantes estão a imitá-lo por todo o país.

é cedo demais para saber se os ‘protestantes estátua’ irão fazer alguma diferença neste desafio de várias semanas à autoridade do primeiro-ministro recep erdogan.

mas acções individuais, fixadas em imagens e distribuídas pelo mundo, influenciaram o curso da história e transformaram pessoas anónimas em símbolos das suas eras.

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morte em teerão

no dia 20 de junho de 2009, neda agha-soltan, aspirante a música de 26 anos, dirigia-se a uma manifestação em teerão com o seu professor – um dos muitos protestos contra os resultados das presidenciais desse ano, que a oposição acusou de ser manipulada pelos apoiantes do presidente mahmoud ahmadinejad.

o ar-condicionado do carro não estava a funcionar, por isso neda saiu para continuar o caminho a pé e parou para observar um grupo de protestantes num local ainda longe da manifestação. subitamente, o seu peito foi perfurado por uma bala disparada por um elemento de uma milícia pró-governamental.

a jovem caiu ao chão e morreu passados minutos. foi tudo filmado por um vídeo amador. o vídeo tornou-se viral e em poucas horas neda tornou-se o símbolo da luta contra ahmadinejad e aquela república clerical islâmica.

o executivo conseguiu inverter a situação e ahmadinejad governou um segundo mandato. mas as imagens mantiveram viva a memória de neda. quando, na semana passada, os iranianos celebraram a vitória de hasan rowhani – apoiado pelos reformistas – ouviu-se o grito: “é a primavera da liberdade, mas é muito mau neda não estar aqui”.

(foto tirada em 2009 durante um protesto de iranianos em berlim © ap/ franka burns)

os tanques na praça tiananmen

o ‘homem do tanque’ não tem nome, foi uma figura anónima que enfrentou uma coluna de tanques chineses no dia 5 de junho de 1989, um dia depois das tropas terem afastado à força os manifestantes pró-democracia que se reuniam na praça tiananmen, em pequim.

se não fossem as equipas de fotógrafos e um vídeo jornalista que estavam alojados num hotel próximo, este acto pessoal de provocação a um poder esmagador teria passado despercebido.

à medida que as câmaras disparavam e filmavam (foto © ap/ jeff widener), o homem, cujo rosto não se descortinava à distância, colocou-se em frente à coluna de tanques, forçando-os a parar.

momentos mais tarde, com a coluna imobilizada, o homem saltou para um deles, subiu à torre e parecia falar com o comandante. finalmente, o vídeo mostra duas pessoas vestidas de azul a afastá-lo. os três desapareceram na multidão. até hoje não foi identificado pelas autoridades chinesas, que também não deram nenhuma indicação sobre o seu destino. mas os seus actos vivem na imagem, um símbolo icónico da rebeldia de um homem.

o massacre de kent state

mary ann vecchio não era aluna da universidade estadual kent quando decidiu juntar-se a um protesto contra a guerra do vietname naquele estabelecimento de ensino do ohio, a 4 de maio de 1970.

tinha 14 anos e tinha fugido de casa, na florida. mas a sua imagem a gritar e chorar ao pé do corpo de um dos quatro estudantes mortos a tiro pela guarda nacional do ohio tornou-se um símbolo do massacre de kent state e da agonia de uma nação dilacerada pelo conflito no vietname.

as autoridades rapidamente lhe colaram o rótulo de dissidente comunista, apesar de a sua identidade ser desconhecida.

com a sua imagem (© ap/ john filo) a ser divulgada pelo mundo, vecchio tentou fugir e apanhar um autocarro para a califórnia. a polícia interceptou-a antes de embarcar e entregou-a à família. mais tarde casou e mudou-se para o estado do nevada. apesar de nunca ter frequentado a kent state foi várias vezes convidada a participar em cerimónias no campus da universidade.

a auto-imolação de um monge budista

poucos tinham ouvido falar de thich quang duc antes do dia 10 de junho de 1963, quando um pequeno grupo de jornalistas se reuniu numa rua de saigão, a capital do vietname do sul, depois te terem sabido que ‘uma coisa importante’ estava prestes a acontecer.

de repente, apareceram centenas de monges budistas a empunhar faixas denunciando a repressão da maioria budista pelo governo católico do primeiro-ministro ngo dinh diem. o cortejo parou.

duc, um dos monges, sentou-se numa almofada colocada no chão. outro monge regou-o com gasolina, duc recitou preces budistas, acendeu um fósforo e imolou-se nas chamas.

o repórter da associated press malcolm browne captou o momento. a fotografia horrorizou o mundo e destruiu as alegações norte-americanas e sul vietnamitas de que os protestos budistas tinham cessado.

no outro lado do globo, um atónito presidente john f. kennedy disse que nenhuma outra foto na história tinha “gerado tanta emoção por todo o planeta”. a imagem provocou uma rebelião budista no vietname do sul, já flagelado pela guerra com os comunistas do viet cong.

a revolta causada levou ao fim do apoio dos eua a diem. que cinco meses depois era assassinado num golpe militar que derrubou o seu governo.

ap/sol