quem tenha alguma noção e experiência da história e da vida no continente africano sabe que não há uma áfrica, há várias, bem distintas na formação, na antropologia política, nas condições de economia e sociedade. mas há características que são comuns. ao ser a última área a chegar à independência, isto é, a alcançar e conquistar o estado, áfrica e os seus países têm condições próprias que têm que ser tomadas em conta.
isto para evitar que retóricas de convicção, à esquerda e à direita, deturpem a realidade. há uma corrente de esquerda assanhada, palavrosa, maniqueísta, ignorante, que abstraindo todos estes factores se escandaliza que os novos estados não são democracias como a dinamarca. (no fundo têm pena que não sejam como a coreia do norte ou cuba…). recusam admitir que a formação do estado é um processo de longa duração e que a maioria dos estados resultantes das descolonizações europeias dos anos 60, com raras excepções como o quénia e a argélia, não tiveram que lutar pela independência e por isso mantêm elementos de fragmentação tribal e religiosa. e que o patrimonialismo é uma característica das sociedades como foi até ao século xix no mundo euro-americano. se pensarem assim escandalizavam-se pouco e maçavam ainda menos.
a áfrica de 2013 é um continente difícil: no magrebe, a argélia mantém um modelo constitucional mas com factores autoritários, resultado das clivagens entre o partido fln, laico e nacionalista, e os movimentos religiosos. na tunísia os salafistas têm um crescente poder de pressão sobre o governo islâmico ‘moderado’; na líbia vive-se a confusão pós-khadafi. no egipto é o equilíbrio irmãos muçulmanos-exército. marrocos é a excepção, graças ao poder arbitral do rei, mas a coligação istiqlal-pjd está periclitante.
na áfrica subsaariana, há uma larga faixa de instabilidade que vai do golfo da guiné ao mali e à somália; e há países divididos como a costa do marfim, a rdc e os sudões. a nigéria continua um gigante partido pela confrontação político-religiosa. e salvo raras excepções – ilhas, estados monotribais – a identidade e unidade nacionais são problemáticas.
a áfrica austral está melhor: tem recursos energéticos e minerais vastíssimos, terra arável em quantidade, zonas de clima temperado, uma razoável infra-estrutura de transportes e comunicações. tem, sobretudo, uma maturidade política, que deve à história atribulada dos últimos 50 anos. ao contrário da maioria dos estados africanos, os principais países – áfrica do sul, angola, moçambique – lutaram pela independência ou emancipação e tiveram guerras civis que aceleraram a formação do estado e até da nação, na medida em que destribalizaram, equilibraram, definiram e amadureceram as classes políticas no poder e nas oposições.
fizeram, em décadas, empurradas pelos ventos da história, o que na europa levou séculos. é alguma coisa.