a linha entre actor e personagem tornou-se muito ténue, em parte pela forma como gandolfini se entregou ao papel, em parte graças ao sucesso planetário da série, que transformou a hbo numa estação de primeira linha desde a temporada inaugural d’os sopranos. mais, a figura do mafioso passou, num abrir e fechar de olhos, a ser olhada com carinho. já não era um criminoso sem sentimentos ou apreço pela vida, mas antes um homem com fragilidades e vulnerabilidades, que se deparava com os problemas normais da meia-idade e que até frequentava a psiquiatra. este olhar proporcionou a james gandolfini uma legião de fãs que, a 19 de junho, receberam em choque a notícia da sua morte.
o actor de 51 anos foi surpreendido por um enfarte, quando se encontrava com a actual mulher e um dos dois filhos de visita a roma, antes de rumar ao festival de cinema de taormina, na sicília. o actor terá sido encontrado na casa de banho do hotel onde estava alojado e ainda foi transportado para o hospital umberto i, onde acabou por morrer.
as homenagens fizeram-se ouvir de imediato. por todo o mundo, famosos e anónimos usaram as redes sociais para dar eco à tristeza. bruce springsteen e a e street band (à qual pertence steven van zandt, colega de gandolfini em os sopranos) dedicaram ao actor o concerto em que recordaram o álbum de 1975, born to run. o mayor de new jersey, chris christie, ordenou que todos os edifícios públicos pusessem as bandeiras a meia-haste a 24 de junho, data em que o corpo regressou aos eua. o funeral teve lugar a 27 de junho, na catedral de saint john the divine, em nova iorque.
um italiano de nova jersey
o nome denunciava-o: apesar de americano, as suas origens estavam em itália. james joseph gandolfini jr. nasceu a 18 de setembro de 1961 em westwood, nova jérsia, filho de uma cozinheira norte-americana que cresceu em nápoles e de um italiano de borgotaro que trabalhava em nova jérsia como contínuo de uma escola católica. «uns campónios», como os próprios pais costumavam dizer-lhe, ao crescer. ao longo da vida jamais esqueceria essa lição. «por isto acho a fama uma coisa feia. ter um tratamento diferente é algo desconfortável para mim. não quero ter privilégios», disse, em 2001, à rolling stone. sempre evitou entrevistas, argumentando que há actores mais interessantes, e apenas viu a sua vida nas revistas aquando do divórcio da primeira mulher.
cresceu em park ridge, nova jérsia. jogava basquetebol na escola. apesar da família ‘campónia’, prosseguiu estudos na universidade de rutgers, onde se formou em comunicação ao mesmo tempo que trabalhava como porteiro num bar. terminado o curso, mudou-se para nova iorque e continuou a trabalhar em bares. a carreira como actor foi algo que só ponderou depois dos 20 anos, em parte por influência de um amigo, que acompanhou às aulas de teatro, mas sobretudo movido por uma tragédia: a morte da namorada num acidente de carro. «foi a sua morte que me levou a procurar formas para me libertar. represento para vomitar as emoções para fora de mim».
acabou por se estrear na peça um eléctrico chamado desejo e no filme shock! shock! shock!, aos quais se seguiram outros pequenos papéis na sétima arte. gandolfini tinha trabalho, mas parecia um condenado à segunda linha. porém, em amor à queima-roupa, filme de tony scott escrito por quentin tarantino, uma cena violenta com patricia arquette chamou a atenção do homem que viria a mudar a sua vida: david chase, o criador d’os sopranos. «a agitação, a dor e a tristeza que tem dentro de si é o que o jim usa para representar. uma boa parte da sua genialidade reside nos seus olhos tristes», disse à gq.
depois de prestar provas, o homem que nunca tinha sido protagonista acabou escolhido para um papel que mudou a ficção mundial. o mais surpreendido foi o próprio james gandolfini: «achei que iam escolher outra pessoa, um george clooney italiano. mas sabia que era capaz de o fazer. tenho partes de tony soprano: tenho 35 anos, sou um lunático, um louco».
durante dez anos gandolfini encheu os ecrãs das televisões em todo o mundo e fez o impossível: levou o público a sentir carinho e compaixão por um líder da máfia. foi mais do que um actor com um papel marcante, gandolfini tornou soprano real. e com isso somou distinções – entre os quais três emmy e o título de um dos 50 maiores ícones televisivos de sempre.
além das distinções, choveram elogios. a começar pelos colegas de elenco, que sempre lhe apontaram a modéstia, a bondade e o companheirismo. qualidades que – especula-se – o terão levado a partilhar parte do cachet da última temporada da série com o restante elenco.
a vida depois d’os sopranos
quando a série chegou ao fim, james gandolfini não se lamentou. pelo contrário. «foi uma grande oportunidade, mas estou no mesmo sítio há dez anos, já chega. parte da diversão de representar é a pesquisa, já explorei o que podia explorar», disse à vanity fair. apesar de, ao longo destes últimos dez anos, ter feito outros projectos, nomeadamente no cinema – como the mexican, romance & cigarettes, the man who wasn’t there e lonely hearts – a verdade é que continuou refém d’os sopranos.
no ano em que a série terminou, gandolfini mudou-se para o outro lado da câmara e dedicou-se a produzir através da sua empresa, a attaboy films. estreou-se com o documentário alive day memories: home from iraq, para o qual entrevistou veteranos feridos na guerra do iraque. três anos depois, em 2010, lançou wartorn: 1861–2010 sobre o stresse pós-traumático nos soldados e nas suas famílias. na ficção produziu um telefilme sobre ernest hemingway e a sua terceira mulher, a repórter de guerra martha gellhorn, hemingway & gellhorn.
mas o apelo da tela falou mais alto e 2012 viu-o regressar como actor – fez mata-os suavemente ao lado de brad pitt e 00:30 a hora negra, de kathryn bigelow – mas a verdade é que hollywood sempre o relegou para os papéis secundários. talvez gandolfini, avesso à fama, vivesse mais confortável assim. até porque, como dizia tony soprano: «não fazem ideia do que é ser o número um. há muita coisa com que lidar mas, no final, estamos completamente sozinhos».